Quase uma década após assinarem um acordo de paz, as lideranças da extinta guerrilha das Farc foram sentenciadas pela primeira vez, nesta terça-feira (16), a oito anos de trabalhos e outras penas alternativas à prisão por mais de 21.000 sequestros na Colômbia.
Sete ex-líderes rebeldes, incluindo o último comandante conhecido como Timochenko, receberam a sentença máxima estipulada no acordo de paz de 2016.
Mediante restrições à mobilidade, eles deverão realizar atividades para dignificar as vítimas, como colaborar na busca por desaparecidos e participar de processos de desminagem nos territórios onde atuaram.
As penas alternativas à prisão foram acordadas no histórico pacto assinado em 2016 entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a guerrilha mais poderosa do continente naquele momento, e o governo do vencedor do Nobel da Paz Juan Manuel Santos.
A Jurisdição Especial para a Paz (JEP) considerou como responsáveis os ex-comandantes do chamado Secretariado pelo sequestro de 21.396 pessoas antes de deporem as armas para se tornar um partido político.
As investigações "mostraram que o sequestro se tornou uma prática sistemática, porque ficou claro que os crimes não só violaram a lei, deixaram feridas abertas que persistem nas famílias, nos territórios, na vida cotidiana do país", afirmou um magistrado à imprensa em Bogotá na ausência das ex-lideranças rebeldes, que aceitaram sua responsabilidade nos fatos em 2022.
O tribunal levou mais de sete anos para proferir sua primeira sentença, em meio a críticas de detratores do acordo de paz por sua suposta indulgência com os rebeldes, que também são acusados de outros crimes contra a humanidade, como o recrutamento de menores.
Durante sua prolongada luta, as Farc fizeram reféns militares, policiais, empresários e dirigentes políticos como a franco-colombiana Ingrid Betancourt. Imagens de reféns famintos e acorrentados em celas de arame na floresta deram a volta ao mundo.
- "Escravidão" -
Espera-se que a JEP, que poderá atuar no máximo até 2037, determine mais sentenças sobre outros crimes envolvendo o Secretariado e membros da força pública acusados pelo assassinato de civis para apresentá-los como guerrilheiros mortos em combate.
Políticos e paramilitares que enfrentaram a guerrilha também recorreram ao tribunal para confessar seus crimes e assim evitar a prisão.
Como parte do acordo que beneficiou cerca de 13.000 combatentes e colaboradores, os rebeldes das Farc se comprometeram a confessar seus crimes e a reparar as vítimas em troca de participar na política e evitar a prisão.
Entre os condenados está Rodrigo Londoño (Timochenko), atual presidente do partido Comunes, bem como Rodrigo Granda, conhecido como o chanceler das Farc, e dois senadores atuais que ocupam o cargo graças ao acordo.
Segundo a JEP, as Farc submeteram os sequestrados a "maus-tratos e humilhações" que "ignoravam completamente sua dignidade humana". Alguns eram obrigados a trabalhar "de graça" para a guerrilha, o que o tribunal qualificou como "escravidão".
A cúpula havia solicitado, sem sucesso, uma única condenação para todos os seus crimes.
- 14 anos de sequestro -
O sequestro é uma das feridas mais profundas causadas pelo conflito na Colômbia. De acordo com a JEP, a retenção mais longa pelo grupo guerrilheiro durou 14 anos.
Um dos casos mais simbólicos foi o da então candidata presidencial Ingrid Betancourt, sequestrada em 2002 junto com sua chefe de campanha, Clara Rojas, que deu à luz um bebê durante seus mais de seis anos de cativeiro.
Com esta prática, a guerrilha demonstrava seu poder em territórios com pouca presença do Estado e pressionava os governos.
Apesar do acordo de paz, continua sendo uma prática dos grupos armados ainda ativos na Colômbia. Os sequestros aumentaram 82% neste ano em relação a 2024, segundo a polícia.
als-das/lv/mr/yr/mvv