Navi Pillay, presidente da Comissão Independente de Investigação da ONU que acusa Israel de cometer "genocídio" em Gaza, disse que vê paralelos com os massacres de 1994 em Ruanda e espera que os líderes israelenses sejam julgados.
"A justiça é lenta", disse a ex-juíza sul-africana em entrevista à AFP.
Mas "como disse (Nelson) Mandela, sempre parece impossível até que seja alcançado. Não acho impossível que haja prisões e julgamentos" no futuro, disse a jurista, de 83 anos, que presidiu o Tribunal Penal Internacional para Ruanda e investigou o genocídio de 1994.
A comissão de investigação presidida por Pillay, que não fala em nome da ONU, publicou um relatório na terça-feira concluindo que Israel está cometendo "genocídio" em Gaza, uma acusação que as autoridades israelenses rejeitam categoricamente.
Os investigadores concluíram que o presidente israelense, Isaac Herzog, o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, e o ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, "incitaram o genocídio e que as autoridades israelenses não tomaram medidas contra eles para punir essa incitação".
Israel negou "categoricamente" as alegações do "relatório tendencioso e mentiroso", afirmou.
Pillay, ex-alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, acredita que os paralelos com o caso de Ruanda são claros, onde, em 1994, cerca de 800.000 pessoas foram massacradas, principalmente da etnia tutsi, mas também hutus moderados.
A jurista lembrou que ver aquelas imagens de civis sendo assassinados e torturados a marcou "para o resto da vida".
"Vejo semelhanças" com o que acontece em Gaza, declarou, acrescentando que observa "os mesmos tipos de métodos".
Pillay disse que líderes israelenses fizeram declarações, incluindo se referir aos palestinos como "animais", que lembram a retórica demonizadora dos tutsis usada durante o genocídio de Ruanda.
Para a jurista, em ambos os casos, uma população é "desumanizada" e a implicação é que "não há problema em matá-la".
- "Traumático" -
O Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia emitiu ordens de prisão para Netanyahu e Gallant em 2024 por supostos crimes de guerra.
Pillay admitiu que garantir a responsabilização não será fácil e enfatizou que o TPI não possui seu próprio "xerife" ou força policial para realizar essas prisões.
No entanto, ela afirmou que a pressão popular pode trazer mudanças, como aconteceu em seu país natal.
"Nunca pensei que o apartheid acabaria enquanto eu estivesse viva", disse.
Pillay tem uma trajetória impressionante: conseguiu exercer a advocacia na África do Sul durante o apartheid, apesar de ser de origem indiana, e defendeu ativistas contra o regime; posteriormente, tornou-se juíza com a chegada da democracia, serviu no TPI e depois atuou como alta comissária da ONU para os Direitos Humanos de 2008 a 2014.
Sua última missão foi presidir a recém-criada Comissão Internacional Independente para investigar abusos de direitos humanos nos Territórios Palestinos ocupados e em Israel.
Desde então, ela e seus dois comissários adjuntos enfrentam uma avalanche de acusações de parcialidade e antissemitismo, que rejeitam.
Eles também se tornaram alvo de uma recente campanha nas redes sociais instando os Estados Unidos a impor sanções contra eles, como fizeram com os juízes do TPI e a relatora da ONU, Francesca Albanese.
A pressão externa é intensa, mas para Pillay, a coisa mais difícil que sua equipe enfrenta é assistir a vídeos com evidências do que está acontecendo em campo.
"Assistir a esses vídeos é traumático", disse, observando que é especialmente difícil ver imagens de "violência sexual contra mulheres" e maus-tratos a médicos que "foram despidos pelos militares".
"É muito doloroso" assistir, ela frisou.
Pillay afirmou que, no futuro, a comissão pretende compilar uma lista de supostos autores de abusos em Gaza e também investigar a suposta "cumplicidade" de países que apoiam Israel.
Essa tarefa caberá ao seu sucessor, já que Pillay deixará a comissão em novembro devido à sua idade avançada e a questões de saúde.
Antes disso, ela deve apresentar um relatório final à Assembleia Geral da ONU em Nova York.
"Já tenho um visto", avisou.
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