A sensação de invencibilidade da adolescente é nítida. "A polícia nunca vai te ajudar", diz ela, em tom desafiador. "Pode me filmar à vontade."
Ela se recusa a sair de uma loja que está no centro de um longo histórico de comportamento antissocial: vitrines quebradas, itens roubados, incêndios iniciados, e funcionários ameaçados e atacados.
Muhammad Usman, dono da loja de celulares sob ataque em Shirley, subúrbio de Southampton (Sul da Inglaterra), filma a jovem usando seu próprio celular. A atitude desafiadora da adolescente também fica evidente: "Se encostar em mim, vou te processar por agressão", avisa ela.
"Está piorando a cada dia", diz Usman, atrás do balcão. A voz dele falha, claramente desgastado por meses de abusos — incluindo, segundo ele, uma ameaça de morte feita por um adolescente. "Nunca tive uma experiência assim na vida. Nos sentimos tão impotentes."
O caso de Usman e de outros lojistas ilustra o desafio que o comportamento antissocial representa para a polícia, as autoridades locais e as comunidades, justamente quando o governo britânico define o combate a essas ações como prioridade.
Três lojas adiante, na mesma rua, Nnenna Okonkwo também se sente ameaçada. "É ridículo que apenas alguns adolescentes consigam causar todo esse caos", diz ela, emocionada.
Esses adolescentes, no entanto, não parecem pertencer a gangues encapuzadas ou armadas.
Quando finalmente a BBC encontra o grupo, se depara com uma garota de 14 anos usando legging rosa e Crocs.
"Não digo que sou inocente porque não sou", afirma ela à BBC News. "Já ameacei pessoas e já bati em outras. Eu admito isso."
"No momento em que você se mete em alguma encrenca com a polícia, você se mete muito fundo nela e não consegue sair", acrescenta.
A adolescente diz que uma lesão a obrigou a abandonar os esportes e que se comportar mal oferece uma alternativa para liberar energia. "Descobri que sinto a mesma descarga de adrenalina quando tenho problemas com a polícia, quando estou desaparecida e coisas assim."
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E parece haver pouco remorso. "Eu me arrependo do que fiz, mas não peço desculpas", diz, recebendo aplausos do restante do grupo.
Ela parece esclarecida, mas profundamente perturbada. Confessa que bebe e usa cigarro eletrônico enquanto conversa com a BBC.
Usman, o dono da loja de celulares mencionada no início desta reportagem, já havia relatado ter sofrido ataques racistas — algo que a garota nega veementemente ter praticado.
Uma das amigas intervém. "Sei que o que estamos fazendo é errado, mas somos adolescentes e queremos nos divertir um pouco", diz ela à BBC.
"Sinto muito pela maioria das pessoas que prejudicamos, mas não tenho compaixão. É só uma forma de extravasar minha raiva."
O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, em resposta a esta reportagem da BBC, afirmou: "Quero deixar bem claro que o que estamos vendo [em Southampton] é completamente inaceitável. Isso não deveria acontecer em nenhuma comunidade".
Starmer disse que pessoas que cometem atos antissociais "devem temer que vão sentir todo o rigor da lei".
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O Partido Trabalhista, do qual Starmer é líder, foi eleito no ano passado prometendo impor normas para impedir que infratores persistentes frequentem centros urbanos.
A ser apresentado como parte do Projeto de Lei sobre Crime e Policiamento, atualmente em tramitação no Parlamento, o descumprimento das ordens seria considerado crime, com possíveis penalidades, incluindo pena de dois anos de prisão, multas ilimitadas ou trabalho não remunerado.
As chamadas "ordens de respeito" substituiriam parcialmente os poderes de injunção civil existentes.
No entanto, as "ordens de respeito" não se aplicariam a menores de 18 anos. Uma emenda pretende reduzir a idade para 16, mas ainda assim não atingiriam jovens mais novos.
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Ministros também prometeram aumentar o policiamento de bairro. Em Shirley, a reclamação do comerciante Usman não é o número de policiais, mas a aparente falta de poder ou disposição deles para enfrentar os adolescentes.
"Não se vê nenhuma ação contra eles", afirma. "Você sente que eles estão acima da lei."
'Precisamos ser mais robustos'
O policial de bairro, PC Tom Byrne, diz entender essa preocupação. Mas, segundo ele, o comportamento antissocial está sendo tratado.
"Precisamos lembrar que estamos lidando com jovens", afirmou à BBC News em julho, acrescentando que, embora "haja consequências", elas precisam ser proporcionais quando se trata de crianças.
Esses instintos de manter os jovens afastados do sistema de justiça criminal estão enraizados na polícia — talvez na esperança de que o comportamento antissocial se extinga por si só. No entanto, o problema se agravou durante o longo e quente verão de 2025.
Esse tipo de comportamento não acontece apenas em uma rua com comércio, e não envolve apenas adolescentes. A poucos quilômetros ao longo da costa sul, em Portsmouth, Neil Gibson conhece o custo de reiterados atos antissociais.
Sua oficina mecânica foi atacada várias vezes, ele acredita, pelo mesmo grupo de jovens.
Imagens de câmeras de segurança mostram um rapaz encapuzado atacando o para-brisa de um carro com uma vassoura até destruí-lo.
Gibson passa algumas noites conferindo remotamente suas câmeras de segurança em casa. "Liguei [para a polícia] e disse: 'Olhem, se mandarem alguém agora, vão pegá-los' — uma situação perfeita. Temo que não se interessaram."
Desanimado, ele diz que não registra mais todos os incidentes.
Na vizinha Fratton, antiga área industrial de Portsmouth, agora em grande parte residencial, é possível ver o desafio enfrentado pela polícia.
Certa noite, patrulhando o cemitério, o policial Chris Middleton tenta impedir que um jovem passe por um caminho a bordo de uma scooter elétrica — mas o rapaz mascarado ignora o policial e foge em alta velocidade.
Quando perguntado se entende por que algumas pessoas acreditam que a polícia é impotente, ele responde: "Sim, sinto isso. Às vezes, acho que precisamos ser mais rigorosos e ter mais apoio do governo para lidar com essas situações."
Pouco tempo depois, um ladrão de lojas condenado, procurado por retorno à prisão, passa pelo local. Ele é revistado e preso.
A situação é semelhante para as autoridades locais em todo o país, muitas das quais recorrem a agentes comunitários para controlar o comportamento antissocial. Jason, guarda municipal da Câmara Municipal de Portsmouth , afirma que "muitas ocorrências policiais estão sendo reclassificadas como comportamento antissocial", aumentando sua carga de trabalho.
O vereador Matt Boughton, presidente do comitê de comunidades mais seguras e fortes da Associação de Governos Locais, compartilha a mesma opinião. Ele disse à BBC News que os conselhos "estão cada vez mais tendo de intervir quando os recursos policiais estão sobrecarregados… o que aumenta a pressão sobre conselhos já sobrecarregados, uma pressão insustentável".
Então, como esses problemas nas comunidades que visitamos — e em muitas outras semelhantes pelo país — podem ser realmente resolvidos?
'Eu me arrependo de tudo isso'
Donna Jones, comissária de policiamento e crimes de Hampshire, é uma pessoa cujo papel envolve trabalhar em conjunto com o sistema de justiça criminal em geral. Ela, que ocupava um cargo equivalente ao de uma vereadora pelo Partido Conservador, acredita que a polícia precisa mudar a abordagem no trato com jovens e seus pais.
"Acho que a resposta da polícia, para ser totalmente sincera, tem sido adotar uma abordagem um pouco mais lenta, mas alguns desses jovens estão cometendo crimes realmente horríveis e graves", diz Jones durante visita a comerciantes em Shirley. Ela afirma que eles estão sendo assediados por "uma gangue urbana formada por um número considerável de meninas".
"O que precisamos fazer também é responsabilizar mais os pais por algumas dessas situações, talvez com mudanças na legislação que os tornem muito mais responsáveis."
As autoridades já possuem uma série de poderes, incluindo liminares civis, notificações de proteção comunitária, ordens de dispersão e ordens de comportamento criminal — a ordem original de comportamento antissocial (antisocial behaviour order, ASBO, em inglês) foi substituída em 2014. Elas também podem multar os pais e até remover famílias de moradias sociais.
Mas nem todas essas medidas se aplicam a crianças, e usar as que se aplicam em grande escala pode acabar criminalizando ainda mais crianças. Essas ações exigem tempo e evidências para serem obtidas, envolvendo polícia e conselhos locais e frequentemente afetando jovens vulneráveis.
Houve prisões. Segundo o Serviço de Promotoria da Coroa (CPS, na sigla em inglês), um adolescente foi acusado de 21 crimes abrangendo três casos, incluindo agressão, roubo, incêndio criminoso, danos criminais, violação de ordem de dispersão e assédio agravado por motivos raciais. O jovem compareceu ao Tribunal de Menores de Southampton na semana passada e deve voltar a se apresentar no mês que vem.
Após meses de comportamento antissocial persistente, a situação em Shirley se acalmou nas últimas semanas.
Em resposta à BBC, a secretária de Policiamento do governo britânico, Sarah Jones, disse que "por muito tempo, as pessoas não viam policiais patrulhando suas ruas". Ela acrescentou que "este governo aumentou o patrulhamento policial em áreas de alta criminalidade em todo o país por meio da nossa Iniciativa de Verão Ruas Mais Seguras".
Prometendo ter mais 3.000 policiais de bairro nas ruas até março de 2026, afirmou: "Estamos enviando uma mensagem clara: o crime será punido".
Na quinta-feira, o primeiro-ministro, Keir Starmer, deve anunciar medidas para dar às comunidades mais poder para "apreender lojas fechadas" e "bloquear casas de apostas e cigarros eletrônicos em ruas de comércio".
A polícia de Hampshire afirmou que "se esforçou para responder ao máximo possível de relatos" de comportamento antissocial nas ruas de Shirley, mas que "precisava equilibrar isso com o aumento de chamadas de emergência" durante os meses de verão.
Longe do caos, a BBC encontrou algumas notícias mais positivas.
Com o verão chegando ao fim e as crianças voltando às aulas, Jaiden, de 15 anos, relembra as horas que passou em uma cela policial após ser preso. Do sofá de sua casa em Shirley, ele conta que causava problemas em lojas "quase todos os dias".
"Era divertido deixar as pessoas bravas, mas depois de um tempo percebi que não era bem assim."
Sua mãe, Kylie, diz que implorou à polícia para agir, sentindo que havia perdido o filho devido à pressão dos colegas. "Duas ou três vezes pedi: 'simplesmente prendam ele'. Disseram que não podiam por causa da idade dele e que teríamos que trazê-lo para casa. Não havia muito que pudéssemos fazer."
Jaiden lê a lista de regras que ele e a mãe assinaram em um "contrato voluntário de comportamento aceitável", que inclui não roubar, não ameaçar ou usar linguagem chula ou abusiva, e sair das lojas quando ordenado. Se cumprir, poderá evitar o tribunal.
Ele jura nunca mais voltar a esse estilo de vida. "Eu me arrependo de tudo isso", diz.
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