Os filhos de ministros do STJ e os bilhões em precatórios que o CNJ suspendeu
Filhos de dois ministros do STJ atuaram como advogados de clientes que tiveram valor bilionário a receber da União reconhecido pela Justiça; CNJ viu indícios de irregularidades
compartilhe
Siga noA Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) suspendeu no início do mês precatórios bilionários que teriam sido emitidos de maneira irregular pela Justiça Federal do Distrito Federal.
A decisão liminar do corregedor do CNJ, ministro Mauro Campbell, atendeu a um pedido da Advocacia-Geral da União. As alegações da AGU eram que as ordens de cinco varas da Justiça Federal para emissão dos precatórios — ou seja, reconhecimento de dívidas da União decorrentes de derrotas em processos judiciais — foram assinadas antes que se esgotassem todas as possibilidades de recurso.
Com base em um levantamento da Procuradoria-Regional da União da 1ª Região, a AGU apontou ao CNJ que esses precatórios irregulares somam ao menos R$ 3,5 bilhões, em 35 processos diferentes. Essas dívidas bilionárias da União foram reconhecidas pela Justiça Federal do Distrito Federal em processos movidos por hospitais e entidades de saúde privada que cobravam da União valores referentes à correção de preços da tabela de procedimentos do SUS.
A maior parte desses processos listados pela AGU tem mais em comum do que somente o tema. Em 21 deles, atuam ou atuaram como advogados filhos de dois ministros do STJ: Francisco Falcão, decano do tribunal, e Humberto Martins (fotos acima). Conforme os dados do levantamento da AGU, essas ações envolvendo os parentes dos ministros tiveram R$ 1,6 bilhão em precatórios irregulares, emitidos em benefício dos clientes deles — e que renderiam honorários polpudos aos advogados.
Filho de Martins, o ex-advogado e hoje desembargador do Tribunal Regional da 1ª Região (TRF-1) Eduardo Martins (foto abaixo) aparece como advogado ou interessado em 19 ações com precatórios suspensos pelo CNJ, no valor total de R$ 1,5 bilhão. Ele se tornou magistrado do TRF-1 em março de 2024. A esposa de Eduardo, Luísa Martins, está relacionada a nove processos. Luísa é sócia do Escritório de Advocacia Martins, por meio do qual o irmão, agora desembargador, atuava enquanto advogado.
Entre os familiares de Francisco Falcão, Djaci Falcão Neto, filho do ministro, está vinculado a onze desses processos, que tiveram a emissão de R$ 1,2 bilhão em precatórios irregulares, conforme a lista da AGU. Seus irmãos Felipe e Luciana Falcão aparecem, respectivamente, em duas ações e uma. Um enteado do ministro, Ferdinando Paraguay Ribeiro Coutinho, também está na lista. Coutinho atuou em dois processos, que tiveram R$ 10,2 milhões em precatórios suspensos pelo CNJ.
Em um dos processos listados pela AGU como irregulares, por exemplo, o Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul teve reconhecida uma dívida a receber de R$ 274,4 milhões da União. Conforme se vê na ação da 3ª Vara Federal do Distrito Federal, Djaci Falcão Neto receberia 5%, ou R$ 13,7 milhões, e Eduardo Martins, 2,3%, o equivalente a R$ 6,3 milhões.
Em sua decisão, o corregedor do CNJ citou a regulamentação do órgão sobre a gestão e procedimentos sobre precatórios no Judiciário. Uma das exigências para a expedição do precatório é que esteja comprovada a data do trânsito em julgado, ou seja, o esgotamento de recursos. Ele viu indícios de que essa norma não teria sido cumprida nos casos apontados pela AGU.
A AGU também pediu que fosse aberto um procedimento de correição sobre as cinco varas responsáveis pela emissão dos precatórios irregulares, a 3ª, a 4ª, a 6ª, a 16ª e a 22ª da Justiça Federal do Distrito Federal. Essa solicitação não foi analisada por Mauro Campbell e será decidida após o plenário do CNJ analisar a liminar concedida pelo corregedor.
Procurado pela coluna, o advogado Djaci Falcão Neto, sócio do escritório que também inclui Felipe e Luciana Falcão, afirmou que atua desde 2016 em ações relacionadas à tabela do SUS. Sobre a decisão liminar do corregedor do CNJ, Falcão Neto declarou não ter verificado irregularidades legais ou de procedimentos cometidas pelos magistrados na emissão dos precatórios. O advogado disse que aguardará a posição do plenário do órgão.
“No nosso entender, a decisão do Ministro Mauro Campbell não reflete a realidade vivenciada na expedição dos precatórios da justiça brasileira, e tem uma abrangência maior do que os processos listados, pois abre uma divergência para com os procedimentos atualmente utilizados de expedição dos precatórios dos magistrados em geral. Porém, a decisão abre uma grande oportunidade para o plenário do Conselho Nacional de Justiça regulamentar a expedição do precatório, nos termos da legislação, de forma a dar uma maior segurança jurídica aos jurisdicionados, de forma ampla e abrangente”.
A coluna entrou em contato na segunda-feira, 16, com os advogados Luísa Martins e Ferdinando Paraguay, mas não teve retorno. O desembargador federal Eduardo Martins, do TRF-1, foi procurado por meio da assessoria de imprensa do tribunal, mas também não respondeu até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto a manifestações.