CULTURA CIRCULAR

Festivais sustentáveis: o que são e por que é importante valorizá-los

Preocupação ambiental para organizar grandes festivais abre caminho a financiamentos e atrai público

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Latinhas de cerveja amassadas pelas calçadas, copos plásticos boiando em poças, restos de comida misturados, banheiros químicos transbordando e um cheiro insuportável no ar. Quem já saiu de um festival, seja um megaevento ou algum gratuito na praça, reconhece esse retrato: o fim da festa muitas vezes parece um cenário pós-apocalíptico e é uma realidade que se repete várias partes do mundo.

'Latimbol' no Festival Se Rasgum: cesta de basquete colocada sobre o lixo para incentivar o descarte correto durante o evento
'Latimbol' no Festival Se Rasgum: cesta de basquete colocada sobre o lixo para incentivar o descarte correto durante o evento Divulgação

Esse cenário tem estimulado ações de incentivo a práticas sustentáveis para festivais – uma demanda inclusive de muitos frequentadores e patrocinadores. Ainda hoje, o impacto ambiental é visto como um efeito colateral inevitável e não como uma responsabilidade a ser considerada desde o planejamento do evento.

O Coachella, nos Estados Unidos, por exemplo, gera cerca de 100 toneladas de lixo por dia. No Brasil, durante o Lollapalooza em São Paulo, a Braskem coletou mais de 350 mil itens plásticos nos pontos de coleta. 

“Foi uma decisão estratégica trabalhar com os festivais, porque eles já são parceiros de longa data do British Council. E, mais do que eventos artísticos, eles têm o potencial de mobilizar públicos e testar soluções que depois podem ser adotadas em escala maior”, explica Rafael Ferraz, Head de Artes no British Council Brasil, conselho que criou um programa (o Cultura Circular) para estimular práticas sustentáveis em festivais culturais.

Festivais como o Afropunk, em Salvador (BA), e o Se Rasgum, em Belém (PA), são alguns dos eventos que têm sido planejados com esse propósito.

Boa prática para financiamento

Projetos com impacto ambiental real enfrentam dificuldade para acessar financiamento, mesmo quando promovem mudanças concretas. Leide Lage, coordenadora de ESG do Afropunk, explica que “nenhum edital, até agora, destinou recurso específico para práticas sustentáveis. É como se fosse um plus que você só faz se puder”.

Para ela, a sustentabilidade ainda não é um critério real de avaliação nos editais e patrocínios. Renée Chalub, idealizadora do Se Rasgum, reforça: “Ninguém quer financiar uma composteira”. Em outras palavras, investir de verdade em sustentabilidade ainda é raro, e caro.

Compostagem ao vivo no "Corredor da Sustentabilidade" no Festival Se Rasgum 2024
Compostagem ao vivo no "Corredor da Sustentabilidade" no Festival Se Rasgum 2024 Divulgação

Criado há quatro anos, o Cultura Circular é um programa do British Council que conecta conhecimento, redes e recursos para tornar os festivais mais sustentáveis. Ele aposta nesses eventos como espaços de experimentação e conscientização ambiental.

O programa funciona por meio de um edital anual que apoia festivais em sete países da América Latina. Os projetos selecionados devem atuar em dois eixos: promover trocas entre artistas locais e britânicos com obras sobre a crise climática e adotar práticas sustentáveis, como redução de plástico e parcerias com universidades ou cooperativas.

Às vésperas da COP30, o debate climático ganha força, mas os grandes eventos culturais ainda ficam fora das prioridades ambientais. “É preciso que os festivais sejam reconhecidos como parte da resposta à crise, não tratados como algo periférico”, aponta Rafael Ferraz, do British Council.

Se Rasgum: da Amazônia para o futuro

Celebrando em 2025 seu 20º aniversário, o Se Rasgum, em Belém (cidade que sediará a COP30 em novembro), é um dos principais festivais culturais da Amazônia. Desde o início, valoriza artistas locais e a diversidade da região, com a proposta de ser um palco Amazônia-Mundo. Nomes como Gaby Amarantos passaram por lá antes de ganharem projeção nacional.

Nos últimos anos, o festival aprofundou seu compromisso ambiental com ações como gestão de resíduos, incentivo ao transporte coletivo e campanhas de conscientização. A parceria com o Cultura Circular foi essencial para consolidar essas mudanças. “Nossa parceria foi fundamental para criar uma plataforma de sustentabilidade para o Se Rasgum”, afirma Renée Chalub.

Dentre as práticas adotadas pelo Se Rasgum estão a separação e a destinação corretas dos resíduos com o apoio de catadores locais, a compostagem ao vivo no "Corredor da Sustentabilidade", parcerias com universidades e startups da região, a neutralização da pegada de carbono e a elaboração de relatórios de impacto ambiental.

Como resultado, mais de 1,1 tonelada de resíduos foi desviada de aterros sanitários, sendo reaproveitada em diversas iniciativas cooperativas. “Queremos que o festival seja vitrine e inspiração para outros projetos. É possível fazer diferente, mesmo com poucos recursos”, diz Renée. “Vejo grandes eventos financiados por governos e produtoras mainstream ignorando a sustentabilidade, e o resultado é sujeira, plástico e falta de consciência, mesmo em áreas sensíveis como a beira do rio.”

Afropunk: sustentabilidade como inclusão e responsabilidade social

O Afropunk tem origem em uma rede internacional de celebrações da cultura negra, criada em 2005 a partir do documentário Afro-Punk: The ‘Rock n Roll Nigger’ Experience, que denunciava o racismo estrutural dentro da cena punk norte-americana. Desde então, o festival se expandiu para países como Senegal, França, Reino Unido e África do Sul, chegando ao Brasil em 2021, com sua primeira edição em Salvador.

Com forte impacto social e uma produção majoritariamente formada por mulheres negras, o Afropunk Salvador se tornou um marco não só musical. A cidade foi escolhida por seu simbolismo como capital da população negra no país. “Fazer em Salvador faz muito sentido. É um projeto de cultura negra que nasce no Nordeste, com uma equipe prioritariamente negra e feminina. E mais importante do que ter pessoas negras na equipe é tê-las em cargos de liderança”, reforça Ana Amélia Nunes, sócia e diretora de conteúdo da IDW, produtora responsável pelo festival.

Em 2023, com o apoio do Cultura Circular, o festival se tornou o primeiro do Brasil a instalar uma estação pública de reciclagem e compostagem, em parceria com a Universidade Federal da Bahia e cooperativas de catadores. Em vez de esconder os processos nos bastidores, o Afropunk levou essas ações para o centro da programação, tornando-as parte da experiência do público. “Virou uma atração. As pessoas tiravam dúvidas, interagiam. Isso também é educação ambiental”, conta Rafael Ferraz.

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Além disso, o festival adotou embalagens compostáveis, dispositivos para economia de água e ofereceu tradução simultânea e audiodescrição das apresentações. A alimentação também reflete esse compromisso: 60% das opções são à base de plantas. Mas a preocupação vai além do impacto ambiental, cada barraquinha de comida no festival é orientada a oferecer pelo menos uma opção vegana, garantindo variedade e inclusão para diferentes tipos de público.

Para Ana Cristina Santa Rosa, produtora do Afropunk, sustentabilidade não é algo isolado, mas está diretamente ligada à inclusão. Isso vai desde a preocupação com o meio ambiente até garantir que os banheiros sejam acessíveis e limpos para todas as pessoas, independentemente de suas necessidades físicas ou sociais. “Está na nossa prática diária. A gente precisa pensar o evento como parte de um ecossistema, não como algo apartado da realidade social e ambiental que nos cerca.”

Para as produtoras do Afropunk, as práticas sustentáveis precisam estar conectadas com o propósito do evento e com a responsabilidade social que ele carrega “Quem está no palco, quem limpa o chão, quem produz os shows...Sustentabilidade não é só lixo, e reciclagem é o jeito de fazer o todo com mais consciência”, afirma Leide.

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