'50 tons de cinza' nas igrejas: a revolução estética das neopentecostais
Adeus aos altares dourados e vitrais coloridos das igrejas pentecostais tradicionais. Em vez disso, um espaço preto e "instagramável"
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Em um cenário religioso cada vez mais competitivo, as igrejas neopentecostais no Brasil estão adotando uma estética ousada: paredes pintadas de preto, iluminação cênica, fumaça de gelo seco e um ambiente que mais parece um show de rock do que um templo tradicional.
Conhecidas popularmente como "igrejas de parede preta", essas comunidades têm conquistado, especialmente, os jovens urbanos, mas também geram polêmicas acaloradas nas redes sociais. O que parece uma simples mudança de cor esconde estratégias de marketing religioso, influências globais e debates sobre fé e modernidade.
De onde surgiu essa tendência?
A febre das paredes pretas não é um fenômeno puramente brasileiro. Suas raízes remontam aos anos 1980, na Austrália, com a icônica Hillsong Church, fundada em 1983 em Sydney. A Hillsong, uma das maiores redes evangélicas do mundo, popularizou o modelo de "megachurches" com cultos dinâmicos, música contemporânea e uma arquitetura minimalista e escura, projetada para maximizar efeitos visuais e sonoros.
Dali, o estilo se espalhou para os Estados Unidos, onde o movimento dos "black evangelicals" (evangélicos negros) incorporou elementos de performance e emoção, influenciados pela cultura pop e pelo hip-hop. No Brasil, a tendência ganhou força nos anos 2010, impulsionada pelas neopentecostais como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Assembleia de Deus, mas especialmente por igrejas independentes que buscam se diferenciar das tradições mais antigas.
O "boom" no país coincide com o crescimento explosivo do evangelicalismo: de acordo com o IBGE, os evangélicos saltaram de 15% da população em 2000 para cerca de 31% em 2022, com as neopentecostais liderando essa expansão. A adoção das paredes pretas é vista como uma resposta à estagnação recente: enquanto igrejas tradicionais fecham portas nos EUA (15 mil em 2025, segundo pesquisas), as "de parede preta" crescem, atraindo quem foge de rituais rígidos.
Qual a explicação?
Por trás da cor escura, há uma lógica prática e simbólica. Tecnicamente, as paredes pretas absorvem a luz, facilitando efeitos de iluminação LED, projeções e névoa artificial – elementos que criam uma "atmosfera de imersão" durante os louvores. "É melhor para uma iluminação cênica, que vai trazer uma atmosfera propícia de adoração", explica um pastor em entrevista ao jornal A Tarde. Essa estética também otimiza transmissões ao vivo nas redes sociais, evitando reflexos indesejados nas câmeras.
Simbolicamente, representa uma ruptura com o passado: adeus aos altares dourados e vitrais coloridos das igrejas pentecostais tradicionais. Em vez disso, um espaço "instagramável" – termo cunhado para descrever ambientes pensados para fotos e stories. Líderes neopentecostais argumentam que isso democratiza a fé, tornando-a acessível a uma geração digital, crítica e avessa a dogmas rígidos.
Como isso surgiu no Brasil?
A família Valadão, há anos está à frente Igreja Batista da Lagoinha em Belo Horizonte. Em 2016, em uma entrevista ao apresentador Danilo Gentili, no The Noite, André contou como aproveitou as férias do pai para pintar a igreja de preto. Ele disse que quebrou o altar da igreja e construiu um palco no lugar. Quando o pastor Márcio Valadão (Pai de André), voltou das férias, teria amado as mudanças. A explicação para a cor preta, ele esclareceu que é uma tendência: “ teatros são assim, auditórios são escuros, isso tende a prender a atenção do interlocutor e prender o foco apenas no palco. Fala de graça, inclusão e saúde emocional. Fala com o jovem urbano, digitalizado e crítico", resume. Críticos, porém, veem nisso uma "imitação do mundo": cultos como shows, com apelo emocional excessivo, priorizando espetáculo sobre doutrina.
Outros exemplos que ilustram o fenômeno
No Brasil, o estilo se multiplicou em templos urbanos. Em São Paulo, a Igreja Renascer em Cristo adotou paredes pretas em suas unidades, combinadas com telões gigantes e bandas de worship que rivalizam com festivais como o Lollapalooza. No Rio de Janeiro, a Bola de Neve Church, fundada em 1999, é pioneira: seu templo principal em São Conrado tem design escuro, fumaça e luzes estroboscópicas, atraindo surfistas e jovens da Zona Sul.
Em Salvador, até a centenária Primeira Igreja Batista do Brasil (PIB), de tradição batista, modernizou seu auditório com tons escuros e presença forte no Instagram, unindo legado histórico a estratégias digitais. No interior de Minas Gerais, igrejas menores como a Community Church em Belo Horizonte pintaram as paredes de preto da noite para o dia, surpreendendo fiéis – um caso relatado em vídeo no YouTube. Esses exemplos mostram como o modelo transcende denominações, chegando a batistas, assembleianas e até luteranas.
O que os fieis comentam nas Redes Sociais?
Nas redes, o debate ferve. No X (antigo Twitter), o termo "igreja de parede preta" é usado tanto como elogio quanto como deboche. Fiéis mais jovens celebram a vibe: "Amei o culto hoje! Aquelas luzes e a música me fizeram sentir perto de Deus de um jeito novo", tuitou uma usuária em março de 2025, compartilhando um story com filtro neon. Outra explicou o conceito: "É um apelido pra igrejas evangélicas modernas, paredes pretas pra ficar aesthetic. Neopentecostal total!"
Mas as críticas dominam. Muitos veem nisso uma perda de essência: "Parede preta? Gelo seco, luzes piscando, escuridão no louvor... É apelo emocional, não racional", desabafou o artista Thiago Ferreira em 2019, post que ainda ecoa com 168 likes. Em 2025, um usuário alertou: "Essas igrejas crescem enquanto as tradicionais fecham. Mas é circo, não fé. Dízimo vira roubo descarado". No TikTok, vídeos como "A Igreja da Parede Preta: Evolução ou Desvio?" acumulam milhões de views, com comentários divididos: "Amo, me sinto livre pra adorar!" versus "É o diabo disfarçado de show".
A ironia? Até os detratores alimentam o algoritmo. "Vocês tiram sarro, mas é assim que ideologias se fortalecem nas redes", ironizou um arquiteto em maio de 2024. E há quem defenda a tradição: "A igreja primitiva não tinha paredes pretas chiques. Era simples, não esse galpão da Amazon".
Um futuro escuro ou iluminado?
As igrejas de parede preta simbolizam a tensão entre tradição e inovação no evangelicalismo brasileiro. Para pastores, é uma ferramenta vital para reter jovens em um mundo secularizado – e os números comprovam: cultos online explodem, e templos lotam com millennials e Gen Z. Mas teólogos alertam: "Sem base bíblica profunda, é só moda passageira".
Seja evolução ou desvio, o preto nas paredes reflete um Brasil religioso em mutação: mais digital, mais sensorial e, acima de tudo, mais disputado. Resta saber se a cor vai durar ou se o próximo "boom" trará tons inesperados. Por enquanto, as luzes piscam, a fumaça sobe e a fé, como sempre, busca seu palco