Lançado na terça-feira (23), o programa do governo Nova Indústria Brasil foi recebido com críticas pelo mercado, sendo classificado de genérico demais e por lembrar uma reedição de antigas medidas tomadas por governos anteriores.

O plano de estímulo à indústria brasileira prega a participação do Estado na economia, especialmente em áreas estratégicas, que integram a chamada “agenda verde”. E prevê R$ 300 bilhões em financiamentos e subsídios até 2026, sendo que a maior parte dos recursos virá de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Entenda o que é o programa e quais os pontos críticos apontados pelo mercado.

Nova Indústria Brasil: nada de novo

A primeira crítica que vem sendo feita ao projeto é que, apesar de trazer o “novo” em seu nome, ele não apresenta novidades.

“O plano não trouxe nada de muito novo, é mais um apanhado do que já foi feito em governos anteriores. Algumas empresas vão ter mais facilidade para acessar linhas de crédito do BNDES, com custos bastante interessantes. A ajuda deve se concentrar nas empresas com maior acesso a crédito, porque para acessar o BNDES é preciso ter um certo nível de organização, e geralmente quem tem isso são as empresas maiores. A questão é que essas empresas já têm acesso a crédito em geral”, aponta Luis Moran, head da EQI Research.

Stephan Kautz, economista-chefe da EQI Asset, complementa que tais empréstimos geraram distorções setoriais importantes, com concentrações que são quase monopólios em algumas indústrias, como a de proteína animal.

Em sua visão, há poucos ganhos com o programa no médio e no longo prazo e o mais grave: ele “joga contra” a intenção do Ministério da Fazenda de cortar gastos e contra o ciclo atual de corte de juros pelo Banco Central.

“Em geral, nós não gostamos da proposta, não gostamos dos setores atendidos e vemos uma ausência completa de metas e objetivos”, aponta Kautz.

Proposta “joga contra” corte de juros

“O Ministério da Fazenda vem em um trabalho de entregar metas fiscais mais ousadas, o que ajudaria o Banco Central a cortar ainda mais os juros. Mas a medida apresentada para a indústria vai de encontro a esse objetivo. Porque, quanto mais estímulos você dá, seja fiscal ou via BNDES, mais você dificulta o trabalho do Banco Central”, explica Kautz.

Ele afirma que repasses com taxas muito subsidiadas, abaixo da inflação, como as previstas no Nova Indústria Brasil, terão impacto na dívida pública como um todo, apesar de ainda não estar claro de onde serão remanejados os recursos. “De algum lugar esse dinheiro terá que sair, porque não é sustentável manter empréstimos a taxas abaixo das praticadas pelo mercado”, salienta.

BNDES vai emitir letras de crédito: setor privado perde espaço

Com o objetivo de captar recursos para o BNDES financiar os programas do Nova Indústria Brasil, o governo propôs a criação de um novo veículo financeiro, a Letra de Crédito do Desenvolvimento (LCD).

O LCD servirá como instrumento de captação para bancos de desenvolvimento, com previsão de benefício tributário similar ao dasLetras de Crédito do Agronegócio (LCA) e Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e as debêntures de infraestrutura.

Como a LCD permite isenção de imposto de renda para investidor pessoa física, passará a ser mais uma opção atrativa para os investidores diversificarem a carteira.

No entanto, um ponto que Kautz chama a atenção é que a iniciativa pode afastar o setor privado da emissão de títulos.

“Quando você tem um BNDES emitindo títulos com isenção fiscal ou tributária, você tende a atrair um volume grande de compra, o que pode gerar uma distorção e tirar investidores dos outros veículos. Hoje já existem distorções com as LCIs e LCAs”, afirma.

“Nos últimos anos, a gente viu um aprofundamento do mercado de dívida privada, com diversos novos produtos sendo oferecidos. Com o BNDES entrando nas emissões, sobra menos espaço para as empresas emitirem dívidas, o que é um aspecto negativo”, complementa.

Único ponto positivo: incentivo à exportação

O único ponto positivo que Kautz enxerga no programa é que, segundo o que foi apresentado até aqui, 60% dos recursos empregados no Nova Indústria Brasil seriam destinados a programas de aumento das exportações.

“A evidência que se tem, de pesquisas realizadas em outros países que mantêm uma política industrial é que os benefícios ocorrem nos países em que se estimula a competitividade internacional das empresas, o que aumenta o saldo da balança comercial através das exportações de uma maneira estrutural ao longo do tempo, com o governo podendo retirar o incentivo mais à frente”, pontua.

No entanto, novamente, ele diz, do apresentado até aqui, muito pouco foi detalhado, dificultando qualquer análise mais aprofundada.

Ouça o áudio de Stephan Kautz na íntegra:

Nova Indústria Brasil: o que diz o governo

Segundo o governo, o Programa Nova Indústria Brasil é uma iniciativa que visa impulsionar o desenvolvimento e a modernização da indústria no país, provendo a competitividade, a inovação e a sustentabilidade.

Principais medidas anunciadas

Veja o que foi divulgado pelo BNDES e pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços:

Missões para o período de 2024 a 2033

1. Cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais

  • aumentar para 50% participação da agroindústria no PIB agropecuário;
  • alcançar 70% de mecanização na agricultura familiar;
  • fornecer pelo menos 95% de máquinas e equipamentos nacionais para agricultura familiar.

2. Forte complexo econômico e industrial da saúde:

  • atingir 70% das necessidades nacionais na produção de medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos, materiais e outros insumos e tecnologias em saúde.

3. Infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis:

  • diminuir em 20% o tempo de deslocamento de casa para trabalho;
  • aumentar em 25 pontos percentuais adensamento produtivo (diminuição da dependência de produtos importados) na cadeia de transporte público sustentável.

4. Transformação digital da indústria:

  • digitalizar 90% das indústrias brasileiras;
  • triplicar participação da produção nacional no segmento de novas tecnologias.

5. Bioeconomia, descarbonização, e transição e segurança energéticas:

  • cortar em 30% emissão de gás carbônico por valor adicionado do Produto Interno Bruto (PIB) da indústria;
  • elevar em 50% participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes;
  • aumentar uso tecnológico e sustentável da biodiversidade pela indústria em 1% ao ano.

6. Tecnologias de interesse para a soberania e a defesa nacionais:

  • autonomia de 50% da produção de tecnologias críticas para a defesa.

Recursos para financiamentos

  • R$ 300 bi até 2026
  • Fonte dos recursos: BNDES, Finep e Embrapii
  • Desse total, R$ 77,5 bi (28%) aprovados em 2023

Principais objetivos do Nova Indústria Brasil

  • Modernização da infraestrutura industrial: segundo o governo, o programa visa modernizar as instalações industriais, promovendo a eficiência, a automação e a integração de tecnologias avançadas.
  • Estímulo à inovação: busca-se fomentar a inovação na indústria, incentivando pesquisas, desenvolvimento de tecnologias disruptivas e a adoção de práticas inovadoras.
  • Formação de capital humano: programa deve priorizar o investimento na formação de profissionais qualificados, garantindo que a força de trabalho esteja alinhada com as demandas da indústria moderna.
  • Sustentabilidade ambiental: o programa busca promover práticas sustentáveis, reduzir impactos ambientais e impulsionar a transição para uma indústria mais verde.
  • Estímulo ao empreendedorismo: programa deve proporcionar suporte e incentivos para o surgimento de novos empreendimentos industriais, fortalecendo o ecossistema empreendedor no setor.

Principais componentes do Nova Indústria Brasil

  • Linhas de financiamento específicas: o programa vai oferecer linhas de financiamento com condições favoráveis para investimentos em inovação, modernização e sustentabilidade.
  • Parcerias público-privadas: busca estabelecer parcerias estratégicas entre o setor público e o privado, aproveitando sinergias para impulsionar o crescimento industrial.
  • Incentivos fiscais: implementa medidas de incentivo fiscal para empresas que adotam práticas sustentáveis, investem em pesquisa e desenvolvimento, e contribuem para a geração de empregos.
  • Programas de capacitação: desenvolve programas de capacitação técnica e gerencial, assegurando que os profissionais estejam aptos a lidar com as demandas de uma indústria em constante evolução.
  • Rede de inovação e tecnologia: estabelece uma rede colaborativa para compartilhamento de conhecimento, pesquisa e desenvolvimento, promovendo a inovação de maneira abrangente.

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