ARTIGO

Retrato sindical brasileiro

É essencial o movimento sindical olhar para si, compreender suas imperfeições e as modificações sociais, econômicas, legislativas e jurisprudenciais vivenciadas

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A Constituição da República adotou como princípio basilar do sindicalismo no Brasil a liberdade sindical. Entretanto, apesar do claro propósito constitucional de vedar a intervenção do Estado nas organizações sindicais – que, até então, era admitida no modelo anterior a 1988, a própria Constituição manteve em seu texto características que, de certa forma, limitam o pleno exercício da autonomia e liberdade sindicais pelas instituições coletivas e pelos respectivos membros das classes profissional e econômica.

A manutenção (i) da unicidade sindical, (ii) do financiamento compulsório – atualmente, não mais existente (iii) do critério de agrupamento por categoria (iv) da base territorial mínima de um município – afastando, portanto, a ideia de sindicato por empresa, (v) da necessidade do registro de sindicatos, federações e confederações no órgão competente, (vi) do poder normativo da Justiça do Trabalho, entre outros, são traços evidentes de que o regime sindical no Brasil, não obstante o princípio constitucional cardeal da liberdade sindical, ainda continua com fortes influências corporativistas, próprias da regulação do sistema sindical anterior e que, em alguma medida, restringem o pleno exercício da liberdade sindical e a noção de genuína participação democrática no âmbito das entidades. Ignora-se as diretrizes fixadas na Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ainda não ratificada no país.

E como resultado da disciplina legal que regulamenta(ou) o sistema sindical brasileiro e a forma como as organizações laborais e patronais estão estruturadas, depara-se com alguns dados ou percepções, que merecem atentos exame e reflexão.

O primeiro é o exorbitante número de sindicatos: o Brasil tem mais de 16 mil sindicatos, sendo uma grande maioria deles de pouca ou nenhuma representatividade. São os chamados “sindicatos de gaveta”, que existem apenas no papel, e que não cumprem minimamente a relevante função constitucional de defender os direitos e interesses coletivos e individuais da categoria – art. 8º, III da CR/88.

Em segundo, a pulverização da representatividade sindical. Exatamente pela expressiva quantidade de entidades no país, há uma rarefação da atividade sindical, num movimento tendente a desmembramentos por especificidade ou territorialidade, muitas vezes desenvolvidos para acomodar interesses, solucionar impasses políticos internos etc, sem se preocupar se essa dissociação redundará em perda da efetividade de representação sindical. Tudo isso implicando, em algum grau, no enfraquecimento das bandeiras e lutas do sindicalismo – seja de trabalhadores ou empregadores. Em outras palavras: em vez de se pensar na aglutinação de forças, com fusão de entidades – seja no plano fático ou jurídico –, visando o fortalecimento delas em todos os aspectos, caminha-se em direção oposta, insistindo em medidas que conduzem à separação e ao descolamento das instituições coletivas e, naturalmente, dos seus representados.

Outro ponto é a manutenção do conceito de categoria profissional diferenciada. Em regra, o enquadramento sindical dos trabalhadores observa a atividade preponderante do empregador, exceto para aqueles que pertencem a categoria profissional diferenciada, que possuem representação sindical própria e ficam, portanto, fora da representação mais abrangente – e, por isso, presumidamente, mais forte e mais atuante do sindicato vinculado à categoria preponderante. Na prática, dentro da empresa, analisando a perspectiva de representação sindical, o empregado diferenciado fica, muitas vezes, sozinho, isolado.

Em quarto, o baixo índice de sindicalização: como se sabe, no Brasil, salvo honrosas exceções, o índice de sindicalização é muito baixo, o que denota, de certo modo, uma falta de percepção entre os representados a respeito da importância do sindicato na vida dos trabalhadores e patrões. Muitas vezes, essa percepção é potencializada pela ausência de alinhamento da atuação da entidade, dos seus dirigentes e os interesses da base. Neste cenário, o associativismo sindical não é estimulado e os agentes profissionais e econômicos, em grande parcela, não se sentem verdadeiramente representados pelos seres coletivos.

Por fim, o efeito erga omnes do instrumento coletivo e o financiamento da atividade sindical: o sindicato representa os associados e os não associados. O instrumento coletivo beneficia a todos os integrantes das categorias envolvidas, que não necessariamente contribuem financeiramente com as entidades sindicais correspondentes. E neste regime baseado no monopólio de representação, inteligência do princípio da unicidade, mas que prega a liberdade sindical e a liberdade de associação como garantias constitucionais, na prática, convive-se com a injusta situação de trabalhadores e empregadores que não contribuem financeiramente com suas organizações sindicais e, mesmo assim, são abrangidos e contemplados pela norma coletiva, em idênticas condições daqueles empregados e empresas que pagam suas contribuições aos entes sindicais. Enfim, na concepção do sindicato, essa é uma conta que não fecha e que, concretamente, alimenta um clima de instabilidade e distanciamento entre as entidades e a sua base.

Por essas e outras razões, é preciso (re)pensar a disciplina legal que trata da organização sindical brasileira, eliminando da lei as amarras incompatíveis com a lógica democrática, participativa e livre que orienta – ou deveria orientar – a atuação das instituições sindicais laborais e empresariais.

Afinal de contas, o sindicato tem um papel fundamental na construção e regulação de direitos e também na defesa dos interesses dos setores profissionais e econômicos, dele se esperando participação ativa não apenas no mundo do trabalho, mas também perante as instâncias oficiais constituídas, assumindo condição de interlocutor necessário ao aperfeiçoamento do diálogo social e da própria democracia.

É essencial o movimento sindical olhar para si, compreender suas imperfeições e as modificações sociais, econômicas, legislativas e jurisprudenciais vivenciadas ao longo do tempo para traçar novos rumos que vão lhe permitir a verdadeira emancipação, com passos fundamentais em direção ao seu protagonismo, como nitidamente estampado no artigo 8º da Constituição da República.

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