Indenizar vítimas do zika é dever do Estado
A decisão do Congresso representa alívio para as mães que têm filhos vítimas do zika, bem como os adultos que também foram afetados pelo vírus
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Siga noNa última terça-feira, o Congresso Nacional derrubou o veto ao Projeto de Lei 3.974/2015, que garantia indenização de R$ 50 mil e pensão especial no valor de R$ 8.157,41, o equivalente ao teto da Previdência Social, à pessoa com deficiência permanente decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus zika. A decisão é um alívio às famílias que, há quase 10 anos, enfrentam dificuldades para garantir atendimento adequado às necessidades dos filhos vítimas da epidemia ocorrida entre 2015 e 2017.
No ano passado, o governo Lula havia vetado o projeto e editado a Medida Provisória nº 1.287/2025, que garantia uma indenização de R$ 60 mil (parcela única) aos afetados pela doença. A iniciativa do Executivo foi considerada inadmissível tanto pelas famílias afetadas quanto pela autora do projeto, a senadora Mara Gabrilli, que, desde 2014, quando era deputada federal, defendia uma reparação às vítimas da epidemia, provocada pelo mosquito Aedes Aegypti, vetor não só do zika, mas também da dengue e da chikungunya. A derrubada do veto foi, segundo a senadora, acolhida pelo governo federal.
Segundo especialistas, não há uma estimativa do número total de casos de zika confirmados no país. O Ministério da Saúde informa que foram registradas ocorrências em Roraima, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Paraná. Mas os casos no Nordeste chamaram a atenção, colocando a região em evidência. A falta de saneamento básico adequado é visto como um dos principais fatores que facilitam a proliferação do vírus Aedes aegypti.
Para a senadora, a epidemia de zika "não foi uma tragédia natural. Foi uma tragédia anunciada, consequência direta da omissão do Estado em oferecer o básico: água limpa, coleta de lixo e saneamento". No período entre 2015 e 2017, mais de 1,5 milhão de pessoas foram vítimas do vírus. Nesse intervalo de tempo, foram registrados 12.716 casos suspeitos de crianças que nasceram com a síndrome congênita do zika vírus. Pelo menos 3.500 bebês contraíram deficiências físicas, intelectuais, visuais, auditivas e neurológicas. A maioria das vítimas vive no Nordeste.
No ano passado, mais de 340 mil brasileiros foram internados e 11.500 morreram vítimas de doenças adquiridas devido às condições inadequadas do ambiente em que vivem, segundo a pesquisa "Saneamento é saúde", divulgada pelo Instituto Trata Brasil. Entre os diferentes protagonistas, estava o mosquito Aedes aegypti espalhando dengue pelo país. No início deste ano, o painel do monitoramento do Ministério da Saúde contabilizou 493 mil casos nas primeiras semanas do ano, contra 1,6 milhão em igual período de 2024.
Está mais do que comprovado que a falta de saneamento básico compromete a saúde pública. Evitar que doenças sejam transmitidas às pessoas está entre as muitas responsabilidades do poder público com a população, entre elas a de garantir infraestrutura adequada às comunidades. Mas aos cidadãos cabe não só cobrar políticas públicas adequadas como preservar as obras executadas e seguir a orientação das autoridades de saúde, como cumprir o calendário de vacinação.
A decisão do Congresso representa um alívio para as mães que têm filhos vítimas do zika, bem como os adultos que também foram afetados pelo vírus e, ainda hoje, sofrem com sequelas deixadas pela doença. Aos governos cabe garantir condições dignas de vida a todos cidadãos da população. A reparação, como estabelece a lei, ressuscitada com a derrubada pelo veto, não significa favor nem ato de misericórdia ante às vítimas. Entre as muitas responsabilidades do Estado está a de garantir condições dignas de vida aos cidadãos, assegurando-lhes saúde, educação, moradia, segurança e tantos outros estabelecidos pela Constituição e as leis infraconstitucionais.