Às vésperas da COP, liderança verde em xeque
O PL do Licenciamento Ambiental coloca o governo em um dilema político e diplomático
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Siga noO Brasil se prepara para sediar a COP30, em Belém, com o desafio de equilibrar o discurso e a prática em sua política ambiental. A recente aprovação do Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental (PL?2.159/2021), por 267 votos a favor e 116 contra, um grande retrocesso, coloca o governo em uma posição delicada diante da comunidade internacional.
O texto aguarda sanção presidencial. Foi elaborado com o objetivo de simplificar e dar mais agilidade aos processos de licenciamento no país, mas as mudanças aprovadas descaracterizaram esses objetivos, numa espécie de liberou geral. Entre as mudanças, destacam-se a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), válida por cinco a 10 anos e emitida em até 12 meses, e da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que permite a autodeclaração de empreendedores em atividades consideradas de baixo ou médio impacto, dispensando estudos técnicos.
Setores produtivos, especialmente o agronegócio e a mineração, comemoraram a aprovação. Entre os argumentos, o de que a medida deve destravar investimentos e gerar “centenas de milhares de empregos” em poucos anos. O licenciamento ambiental, argumentam, é hoje um dos maiores entraves para novos empreendimentos, com processos que chegam a levar mais de cinco anos para serem concluídos. Entretanto, o afrouxamento dos controles e da fiscalização ameaçam todos os avanços obtidos até agora na legislação ambiental.
Especialistas e organizações ambientais alertam para esses riscos relevantes. O Observatório do Clima classificou a proposta como “um retrocesso de quatro décadas”, enquanto entidades como WWF e Greenpeace afirmam que o projeto fragiliza a proteção de biomas estratégicos. No Cerrado, onde estão nascentes de oito bacias hidrográficas, o aumento da destruição coloca em xeque o abastecimento de água e de energia.
Na Amazônia, há temor de que autodeclarações irresponsáveis comprometam o controle de atividades de maior impacto sobre a floresta, estimulando o desmatamento, a pecuária predatória e o garimpo ilegal. Outra preocupação envolve comunidades tradicionais. Órgãos como a Funai e o ICMBio deixam de ter participação obrigatória em diversos processos, o que pode enfraquecer o direito de povos indígenas e quilombolas de vetar obras em seus territórios.
O PL prevê multas que podem chegar a R$?50 milhões em caso de infrações, mas ambientalistas consideram que, sem estrutura de fiscalização suficiente, o risco de impunidade cresce. A autonomia dada a estados e municípios para definir regras próprias também gera receio de insegurança jurídica e de disparidades regionais.
Para o governo, o dilema é político e diplomático. Vetar o projeto significará mais um embate direto com a bancada ruralista e parte do Congresso. Sancioná-lo integralmente, porém, compromete a política ambiental e, ainda, a imagem do Brasil, por descumprimento de compromissos internacionais, como o Acordo de Paris, além de abrir espaço para barreiras comerciais com parceiros, como a União Europeia.
Às vésperas da COP30, o Brasil precisará demonstrar que a simplificação de processos não significa abandono da proteção ambiental. Veto parcial ou ajustes posteriores por regulamentação surgem como possíveis caminhos para compatibilizar o incentivo ao desenvolvimento com a preservação de biomas e o respeito a comunidades tradicionais. O fato é que o país precisa apresentar resultados concretos que sustentem sua pretensão de liderança verde. Em pleno século 21, ainda não conseguimos um consenso mínimo sobre o que significa, de fato, desenvolvimento sustentável.