A pauta econômica e política do Brasil, desde a semana passada, fica voltada à taxação aplicada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Enquanto muito se analisa em termos de impactos, sobretudo em setores importantes, como os da indústria, petróleo, carnes e suco de laranja, é preciso olhar, também, para o histórico recente da diplomacia estadunidense.


Desde que Trump retornou à Casa Branca, passou a se envolver profundamente em questões geopolíticas. Que as tarifas são as armas mais usadas por ele já ficou bastante claro. No entanto, vale ressaltar que tanto no Oriente Médio quanto na África, passando ainda pela invasão da Ucrânia pela Rússia, as posições do republicano podem ser interpretadas como um verdadeiro balão de ensaio.


O mais recente acordo assinado entre Ruanda e a República Democrática do Congo, sob mediação dos Estados Unidos, sinaliza bem esse movimento de aparências. Iniciado em 1998, o conflito tem como pano de fundo o acesso a terras ricas em minerais situadas na RD Congo. São matérias-primas como cobalto, diamantes, tântalo e estanho, fundamentais para a produção da tecnologia do Vale do Silício – uma alternativa importante para uma menor dependência dos EUA perante a China.


Além disso, nada, nas décadas recentes, sugere uma paz no conflito localizado na África Central, apesar do acordo mediado por Trump. Há uma certeza de impunidade entre os combatentes envolvidos, principalmente integrantes do M23 – grupo militar rebelde liderado por tutsis congoleses e apoiado pelo governo de Ruanda. Mesmo diante de atrocidades recentes, não há qualquer repreensão contra esse agrupamento. Por que isso mudaria com a mais recente negociata?


Segundo maior país da África, atrás apenas da Argélia, a República Democrática do Congo se encontra em uma posição fragilizada. Ao mesmo tempo que não pode abrir mão do mercado estadunidense, não tem força militar suficiente para bater de frente com Ruanda, liderada há quase 30 anos pelo ditador Paul Kagame.


Do outro lado da moeda, Ruanda tem interesses de se tornar um “país modelo” na África. Parte dessa estratégia vem a partir de sua agência pública de turismo, a Visit Rwanda, hoje patrocinadora de grandes clubes do futebol europeu, como o PSG, o Arsenal e Bayern. Há, ainda, articulações para receber uma etapa da Fórmula 1 – uma clara aproximação de Kagame com a União Europeia e os Estados Unidos.


Mas quais os interesses do Norte Global nas tratativas com Ruanda? Além do acesso aos minerais da RD Congo sem precisar “sujar as mãos” ao se envolver em uma guerra, Donald Trump quer se colocar como candidato ao Nobel da Paz, premiação dada ao democrata Barack Obama em 2009. Ao mesmo tempo, a União Europeia quer evitar novos refugiados africanos em suas terras – mesmo diante de toda dívida histórica por conta do colonialismo.


O caso africano resumido acima deve servir de exemplo para o Brasil. É evidente que o poder econômico e diplomático do nosso país é bastante superior ao da República Democrática do Congo, mas é papel do Itamaraty não se render a especulações.


Reconhecido por sua influência como líder do Sul Global, papel que tenta se tornar ainda mais relevante em seu terceiro mandato no Planalto, o presidente Lula (PT) precisa se manter firme, sem dar espaço ao jogo de cena trumpista. Neste quesito, acerta o petista ao assinar o decreto da reciprocidade e ao comunicar, de maneira clara, a posição do Brasil, a partir das recentes entrevistas concedidas à imprensa e das aparições públicas desde o ataque dos EUA.

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