Compromisso com o interesse público
O esquema de fraude bilionária no INSS não pode virar motivo para mais um espetáculo político que alimente a polarização
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Siga noO Congresso vai instalar nesta quarta-feira a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), formada por 15 senadores e 15 deputados, para investigar o esquema de descontos ilegais em aposentadorias e pensões pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU), responsáveis pelas investigações, estimam que 4,1 milhões de beneficiários foram vítimas da fraude entre 2019 e 2024 e que ao menos R$ 6,3 bilhões foram desviados.
O atual ministro da Previdência Social, Wolney Queiroz, disse que 1,65 milhão de aposentados e pensionistas, o que corresponde a 75% das vítimas dos golpes, foram ressarcidos dos descontos ilegais, em parcela única, corrigida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). No total, o governo superou a marca de R$ 1 bilhão pagos aos beneficiários do INSS. Para o ministro, trata-se de “uma operação gigante e uma vitória”. Por isso, apesar do risco de o atual cenário de tensão política “contaminar” a CPMI, Wolney Queiroz, que assumiu a pasta depois da revelação da fraude, acredita ter “uma boa história para contar” aos parlamentares.
A preocupação do ministro faz sentido. Não são incomuns os casos de sessões de comissões parlamentares de inquéritos em que o enredo se distancia da conduta que a sociedade espera dos parlamentares. Na recente CPI das Bets, questionamentos de interesse público foram trocados por pedido de selfie ou tutorial de como fazer apostas online. Na CPI da Covid, parlamentares governistas e da oposição protagonizaram bate-bocas lamentáveis, recheados de informações sem sustentação científica e até de conteúdo machista.
O recente motim promovido pelos opositores do governo e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro também é um sinal de alerta. O grupo paralisou os trabalhos da Câmara e do Senado em mais um gesto revelador do clima inadequado ao bom debate que domina o parlamento brasileiro. A criação da CPMI é uma das prioridades da oposição no Congresso, que aposta em um possível desgaste no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e em ganhos eleitorais para as disputas de 2026. Esperar comedimento, portanto, é ingenuidade.
Ainda que mais exaltados, espera-se que os debates da CPMI que começa nesta semana se pautem pelo bom senso e pelo compromisso com o interesse público. Não é fazendo das divergências um cabo de guerra que será encontrada uma solução para melhorar os serviços prestados pelo INSS, a fim de eliminar problemas como as gigantescas filas para obtenção de benefícios, reduzir a demora na concessão de direitos e outros benefícios previstos aos contribuintes.
Há um movimento de descredibilização da Previdência que precisa ser enfraquecido. Como alertou o ministro Wolney Queiroz, é a confiança de que o Brasil tem “um sistema robusto, sólido, permanente, perene, que vai fazer o jovem brasileiro se sentir estimulado a contribuir com esse sistema”. A sustentabilidade do país depende disso.
Não há dúvidas de que os golpes com dinheiro público precisam ser investigados e de que os criminosos precisam ser punidos. Também deveria ser consenso que o esquema de fraude bilionária revelado em abril pela PF e a DGU não pode virar motivo para mais um espetáculo político que alimente a polarização, sobretudo nas redes sociais, e siga comprometendo o desenrolar da agenda do Congresso e a credibilidade da Previdência.