Em defesa da democracia e da vida
Temos pela frente uma luta constante e renhida para preservação da nossa democracia e a higidez das instituições
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Siga noAs reflexões e lições do cientista político Steven Levitsky, professor de Harvard e autor consagrado, em sua recente passagem pelo Brasil, merecem ser lidas e apreendidas pelos brasileiros de todas as classes, pelo que trazem de esclarecedor sobre a realidade geopolítica mundial e nosso papel nesse contexto.
Na palestra que fez em Brasília, em promoção da Escola Nacional da Magistratura (ENM) e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), por exemplo, ele disse que o Supremo Tribunal Federal tem agido “absolutamente certo" na ação penal de julgamento dos responsáveis pela tentativa de golpe e tem sido “fundamental para garantir a democracia brasileira”.
Comparando a situação brasileira com a de seus país, disse que “os Estados Unidos poderiam ter evitado o declínio de sua democracia se tivessem feito com o presidente Donald Trump o que o Brasil fez, ao investigar, processar e indiciar o ex-presidente Jair Bolsonaro por participação em uma trama golpista”.
Autor dos best-sellers “Como as Democracias Morrem” e “Como Salvar a Democracia”, Levitsky afirmou ter a convicção de que “a democracia americana está entrando em colapso”, lembrando que “nos últimos meses, os Estados Unidos deslizaram para um regime de autoritarismo competitivo, no qual existem eleições multipartidárias regulares, mas em que há abuso sistemático por parte do governo incumbente contra a oposição". E concluiu: “Estamos perdendo nossa democracia”.
Ele comparou a situação atual dos EUA com governos autoritários na Venezuela, na Hungria e na Turquia, dizendo que "os primeiros meses da administração Trump têm sido mais autoritários que (Hugo) Chávez, (Viktor) Orbán e (Tayyip) Erdogan". Ao contrário disso, afirmou, o Brasil tem sabido resistir e manter-se imune ao autoritarismo, graças à firme atuação do STF.
Na condição de presidente da Escola Nacional da Magistratura, tive a honra de estar ao lado do professor Levitsky nessa palestra e também pude manifestar minha apreensão diante do quadro atual do nosso país, em que as forças que fracassaram no golpe buscam de todas as formas tentar enfraquecer o Poder Judiciário, centrando seus ataques na figura do ministro Alexandre de Moraes, que nada mais tem feito do que garantir nossa democracia viva.
Temos pela frente, disse eu, “uma luta constante e renhida para preservação da nossa democracia e a higidez das instituições” e que nos cabe “louvar aqueles que não se abalam e não se abatem com as intimidações e colocam-se como estandartes de contenções dos avanços autoritários”, como os ministros do STF, que têm sido grosseiramente atacados por agentes externos e internos.
Lembrei que “adversidades sempre existiram na história da humanidade”, mas juntos com elas também vieram exemplos de resistência que se tornaram icônicos. Lembrei dois desses exemplos.
Um deles foi a coragem do general Pompeu, que, quatro séculos antes de Cristo, ousou enfrentar o mar bravio em naus precárias para salvar a população de Roma da fome e cunhou a frase ‘navegar é preciso, viver não é preciso’.
O segundo, que me é mais caro, é do saudoso bispo do Araguaia, Pedro Casaldáliga, que dizia sempre que “nossas causas são mais importantes que nossas vidas, pois são elas que dão sentido à nossa vida”.
As reflexões do professor Steven Levitsky são um alento e um alerta a merecer nossa compreensão, nesse momento difícil da vida brasileira, em que a nau da democracia navega em mar revolto. Navegar na defesa de nossa democracia é nossa causa de hoje e, com certeza, é mais importante que a nossa própria vida.
NELSON MISSIAS DE MORAIS
Presidente da Escola Nacional da Magistratura e ex-presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais