Em 2025, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) – também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência – completa uma década de vigência. Promulgada em julho de 2015, a Lei nº 13.146 se consolidou como um marco jurídico, político e simbólico na história dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil. Inspirada pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, incorporada ao ordenamento jurídico nacional com status constitucional, a LBI representa muito mais do que uma normativa: ela é a tentativa concreta de afirmar que pessoas com deficiência são, antes de tudo, sujeitos de direitos, cidadãos plenos.
Nestes 10 anos, é inegável que a LBI proporcionou avanços significativos. O acesso ao mercado de trabalho cresceu, em parte pela exigência de cotas, mas também pelo fortalecimento de políticas de empregabilidade e formação. Na educação, a lei garantiu o direito à inclusão em todos os níveis e modalidades de ensino, com recursos de acessibilidade e apoio especializado. No cotidiano, serviços públicos, espaços culturais e instituições começaram a se adaptar a uma nova lógica: a da convivência com a diferença, e não da sua exclusão.
Mas há um longo caminho ainda a ser percorrido. Apesar da legislação robusta, a realidade continua marcada por contradições e resistências. No mundo do trabalho, o capacitismo segue operando de forma sutil e persistente. Contratações muitas vezes se limitam ao cumprimento formal da lei, sem assegurar trajetórias profissionais significativas. A presença de pessoas com deficiência em cargos de liderança, por exemplo, ainda é exceção. A acessibilidade arquitetônica avança em algumas capitais, mas permanece um desafio crônico em regiões periféricas e no interior do país.
Na educação, a permanência estudantil é uma questão urgente. Não basta estar matriculado: é preciso garantir aprendizado, vínculo, reconhecimento da singularidade e suporte efetivo. A inclusão educacional verdadeira exige formação docente continuada, investimento em tecnologia assistiva e, sobretudo, uma mudança cultural profunda nas instituições de ensino.
A sociedade brasileira, embora mais sensível ao tema, ainda lida com a deficiência a partir de uma lógica assistencialista, muitas vezes caritativa, que infantiliza e desautoriza a autonomia dos sujeitos com deficiência. É preciso dizer: inclusão não é favor, é direito. E direito não se negocia – se efetiva.
Passados 10 anos, a LBI permanece como farol, mas a luz que ela projeta depende da disposição política, institucional e social de cada um de nós. A lei é clara ao afirmar que discriminação por motivo de deficiência é crime. Mas o maior desafio talvez seja o de combater o preconceito que não se diz, o olhar que subestima, o silêncio que exclui.
Escrevo este texto como homem, cego, psicólogo e professor universitário. Ao longo da minha trajetória, vivi e ainda vivo muitas das contradições que a LBI tenta resolver. Já estive em espaços que me celebraram como símbolo de superação, mas que não garantiam acessibilidade básica. Já fui ouvido com atenção por gestores e educadores, mas tive que justificar, mais de uma vez, o porquê eu, uma pessoa cega, poderia ocupar lugares de decisão e ensino.
Mesmo assim, sigo. Sigo porque acredito que o futuro da inclusão não está apenas na letra da lei, mas na escuta ativa, na empatia prática e na construção diária de um país em que a deficiência não seja barreira para viver com dignidade, pertencimento e potência.
A LBI tem sido instrumento de transformação, mas como toda lei viva, precisa ser continuamente interpretada, protegida e atualizada à luz das complexidades do tempo presente.
A década da LBI nos convida a celebrar, sim. Mas também a resistir, a reimaginar e a responsabilizar. Que os próximos dez anos sejam mais que um balanço: sejam compromisso.
WELDER VICENTE
Psicólogo e professor da Faseh