Bruno Dantas
Participei, em Belo Horizonte, de um seminário em homenagem ao jurista Jarbas Soares Júnior, ocasião que celebrou seus 35 anos de trajetória no Ministério Público de Minas Gerais. Ao lado de colegas como o ministro Antônio Anastasia, Nelson Rosenvald, Gregório Assagra e o secretário nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo, compartilhei reflexões sobre os desafios da transparência e da proteção de dados no Estado democrático. Mas foi na figura do homenageado que encontrei o fio condutor para minha intervenção: a temperança como virtude institucional.
Falar de Jarbas é falar de uma ideia de Ministério Público que vai além da função acusatória. Sua trajetória encarna, de forma exemplar, quatro dimensões que desenvolvi em minha palestra: a fundacional, a coletiva, a inovadora e a contemporânea. A dimensão fundacional remonta ao início de sua carreira, em 1990, quando a Constituição de 1988 ainda se consolidava e o Ministério Público passava a exercer, com novos instrumentos, a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais. Jarbas foi parte ativa desse processo, sem jamais ceder ao populismo punitivista ou ao espetáculo institucional.
Na dimensão coletiva, destacou-se por sempre priorizar a construção institucional compartilhada. À frente do Colégio de Procuradores, do CNPG e do CNMP, agiu com sobriedade, escuta e vocação para a colaboração – num tempo em que escasseiam os artesãos da convergência.
Já na dimensão inovadora, sua atuação foi marcada por articulações construtivas com o sistema de Justiça e com órgãos de controle. Com o TCU, sempre manteve diálogo técnico e institucional de altíssimo nível, partilhando a crença de que não há Estado moderno sem cooperação e accountability. Como ensinou Guido Calabresi, “justiça sem eficácia é consolo; eficácia sem justiça é opressão” – e Jarbas jamais confundiu retórica com resultado.
Por fim, na dimensão contemporânea, o tema da minha exposição – a tensão entre publicidade estatal e proteção de dados pessoais – revelou o quanto sua trajetória oferece respostas éticas e institucionais a dilemas atuais. Lembrei, no evento, de artigo que publiquei na Folha de S. Paulo alertando para o risco da Lei Geral de Proteção de Dados ser instrumentalizada como escudo contra a transparência pública. Episódios como o do Rio Open – em que dados de atletas foram expostos sem critério e, depois, inteiramente suprimidos sob pretexto de proteção legal – evidenciam o custo da imaturidade institucional.
É nesse contexto que o TCU tem buscado atuar com equilíbrio. Nos Acórdãos 506 e 1372 de 2025, o Tribunal reiterou que LGPD e LAI não são excludentes, mas complementares. E que a transparência precisa ser estruturada com técnica, proporcionalidade e atenção ao interesse público. Jarbas, como poucos, soube antecipar essa sensibilidade: foi transparente sem ser temerário, e discreto sem ser omisso.
Sua biografia prova que a permanência institucional não nasce da estridência, mas da compostura. Num tempo em que tanto se improvisa, a temperança de Jarbas é uma virtude – e uma lição.
BRUNO DANTAS
Ministro do Tribunal de
Contas da União (TCU)