São cerca de 30 milhões de visualizações em menos de uma semana. O youtuber Felipe Bressanim Pereira, conhecido digitalmente como Felca, pautou o agendamento midiático nos últimos dias ao discutir, em um vídeo de cerca de 50 minutos, a adultização de crianças e adolescentes por meio das redes sociais.


O conteúdo trouxe reflexos na sociedade e até no Congresso Nacional, onde o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), se comprometeu a priorizar projetos que tratam da temática nas próximas semanas. Um levantamento feito pela Palver, empresa especializada em monitoramento e análise das redes sociais, mostrou que a repercussão alcançou um volume até mesmo superior à eventual taxação do Pix, impulsionada pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG).


Os números são representativos para mapear como o problema supera qualquer polarização política. De acordo com a Palver, 50% das repercussões mantiveram-se sem identificação ideológica, tratando o caso de maneira despolitizada – algo raro em uma sociedade marcada pela polarização.


Mas, por que a discussão chamou tanta atenção? Basta conviver com uma criança ou adolescente nos dias de hoje para perceber uma flagrante dependência das redes sociais. Em sua maioria, os menores conversam e até fazem amigos; consomem; e buscam entretenimento sempre conectados.


Esse acesso descontrolado criou um problema mais profundo, que liga as crianças a temas que não deveriam fazer parte da preocupação delas, como o consumismo; a manutenção de certo status social em busca de autoestima; e o anseio pela definição de uma identidade em um momento de formação, não de demarcação.


Como explica a psicoterapeuta Maria Carol Pinheiro em sua participação no podcast Café da Manhã, a neurociência define a infância e a adolescência como um período fundamental para a chamada janela de oportunidade de aprendizado. É neste período que temos maior facilidade para absorver novas habilidades, como aprender um novo idioma, por exemplo.


Ao mesmo tempo, porém, é nesse período que desenvolvemos a maior parte dos problemas de saúde mental manifestados anos depois, na idade adulta. Transtornos de ansiedade e depressão estão diretamente ligados a traumas vividos nos primeiros anos da vida – daí a importância de os pais monitorarem, cada vez mais de perto, aquilo que os filhos consomem nas redes sociais.


Em primeiro lugar, é preciso entender as redes como um espaço mercadológico, não como um blog pessoal. Como se sabe, muita gente se expõe naquele espaço em busca de dinheiro e vive, correta ou incorretamente a depender do conteúdo propagado, do alcance obtido em cada postagem.


Ou seja, estamos falando de um espaço amplamente disputado. Se os algoritmos criam vícios à audiência, crianças e adolescentes, até mesmo pela falta de experiência de vida, formam o público mais vulnerável ao consumismo descontrolado e à exploração de conteúdos rasos, sem a menor qualidade crítica. Se nada é oferecido, a janela de oportunidade de aprendizado é desperdiçada – o cérebro daquele menor se torna terreno fértil para a futilidade.


Além disso, há o risco mais violento desse debate. Como deveria se saber, as redes sociais estão lotadas de criminosos em busca de vítimas em potencial. Parte deles se manifesta a partir dos golpes; outra fatia por meio do aliciamento; e uma terceira porção já deixou as profundezas da deep web para habitar o Instagram: os pedófilos.


Quando crianças e adolescentes acessam as redes sem qualquer monitoramento, são vítimas em potencial desses criminosos. Não é por acaso que a Austrália, recentemente, proibiu o acesso de menores de 16 anos a esses sites.


Aqui, para além de uma maior conscientização dos pais, é preciso cobrar também as redes e fomentar, mais uma vez, o debate em torno da revisão do Marco Civil da Internet. Não se trata de censura, mas se as big techs oferecem tantos serviços com uso dos algoritmos, derrubando, por exemplo, conteúdos que ferem os direitos autorais de artistas, como não conseguem mapear os criminosos que as habitam?

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