“'Era uma vez uma pipa. O menino que a fez estava alegre e imaginou que a pipa também estaria. Por isso fez nela uma cara risonha, colando tiras de papel de seda vermelho: dois olhos, um nariz, uma boca...' Os fragmentos do texto acima dão início ao apólogo 'A pipa e a flor', escrito pelo educador e escritor mineiro Rubem Alves (1933-2014). Na narrativa, é contada a relação de uma pipa com uma flor, que, ao se entreolharem, ficaram enfeitiçadas, numa espécie de admiração e encantamento entre ambas. Uma relação inanimada com que o autor nos faz refletir sobre sentimentos como egoísmo, inveja, liberdade, amor e tristeza. Pois bem, vamos deixar a literatura um pouco de lado e nos permitir dar linha à nossa reflexão para um fato de nosso cotidiano. As férias escolares se findaram, mas o colorido das pipas, impulsionado pelos ventos de agosto, continuam a riscar o céu. Diversão garantida, empinar papagaio é um lazer para crianças e adultos, porém, foi manchado nos últimos anos por um intruso vilão. Ora, se reportarmos à nossa realidade atual, seria difícil imaginar esse vilão? O cerol, uma combinação de vidro moído e cola, deixou marcas, vitimou motociclistas pelas ruas afora e transformou a brincadeira em uma ação perigosa. Para quem anda sobre duas rodas, todo cuidado é pouco. Vamos aos números: de acordo com o EM (Gerais, 22/8), 'levantamento feito pela reportagem contabilizou 63 casos de pessoas feridas por linhas cortantes na capital desde o início do ano considerando os dados fornecidos pelo Hospital Risoleta Neves, o Pronto-Socorro João XXIII e a Prefeitura de Belo Horizonte com base nos atendimentos nas nove UPAs da cidade. Dos 63 casos, 17 foram registrados somente em julho, período de férias escolares'. Os equipamentos de segurança – no caso as antenas – são essenciais. Soltar papagaio é divertido, mas agora exige responsabilidade. São válidas as campanhas para sensibilizar a população. Voltando à narrativa de Rubem Alves, o escritor destaca três episódios para que o leitor faça a escolha ideal para o final da trama, destacando neles alguns sentimentos, sobretudo o princípio de liberdade. Em uma das hipóteses, à pipa caberia, simplesmente, a continuação de seus sonhos de voos mais altos; à flor, a contemplação. Ora, para a realidade do dia a dia, as notícias nos mostram que temos uma única escolha a ser feita. A relação entre pipa e cerol nada traz de bom. O final dessa história real sabemos. A quem pratica a diversão caberá a prudência, longe das redes elétricas e sem o uso do temível cerol e linhas chilenas. É responsabilidade da sociedade não transformar essa prazerosa brincadeira em mais um crime nosso do dia a dia.”
FÁBIO MOREIRA DA SILVA
Belo Horizonte – MG