A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) divulgou um parecer contrário à incorporação das canetas emagrecedoras de semaglutida (Wegovy) e de liraglutida (Saxenda) para o tratamento de obesidade no Sistema Único de Saúde (SUS). Tecnicamente, a Conitec é um órgão assessor e não tem o poder de “proibir”, mas sim de orientar o gestor, no caso o Ministério da Saúde, órgão responsável por tomar decisões de incorporação de medicamentos e tecnologias à rede pública. No Brasil, o SUS costuma seguir essa orientação.

Entre as justificativas está a baixa relação custo-efetividade diante do alto impacto orçamentário e fiscal das propostas avaliadas. O Ministério da Saúde apresentou um estudo cujo custo estimado para atendimento a pacientes da rede pública pode chegar a R$ 4,1 bilhões num período de cinco anos. Nos casos que exigem tratamento contínuo, o valor pode ultrapassar R$ 6 bilhões no mesmo período.

Sem falar nas comorbidades relacionadas à obesidade, que infelizmente está no centro de uma teia de enfermidades que elevam os gastos assistenciais e de mortalidade, a exemplo de doenças cardiovasculares, apneia obstrutiva do sono e determinados tipos de câncer (cólon, endométrio, mama), além dos impactos na saúde mental, como depressão e ansiedade. Em contrapartida, a cirurgia bariátrica, oferecida pelo SUS, é apontada como alternativa para a obesidade, o que faz com que as canetas emagrecedoras sejam acessíveis apenas na rede particular.

Paralelamente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também apertou o controle na dispensação desses fármacos no varejo, aplicando regras mais rígidas como retenção de receita, além da proibição da manipulação desses produtos (o GLP-1, hormônio usado no tratamento da obesidade e do diabetes tipo 2) por farmácias, motivada pelo uso fora de indicação e apontando riscos sanitários – um pano de fundo que ajuda a entender o contexto.

No mundo, em 2022, 2,5 bilhões de adultos tinham sobrepeso, dos quais 890 milhões viviam com obesidade (cerca de uma em cada oito pessoas), segundo a Organização Mundial da Saúde. E as projeções são ainda piores. A World Obesity Federation (Federação Mundial de Obesidade) indica um contingente de 1,53 bilhão de adultos com obesidade até 2035, ou seja, isso não é um fenômeno pontual, é estrutural.

Enquanto isso, no Brasil, os dados oficiais mostram um crescimento contínuo do número de obesos ou com sobrepeso. O Vigitel 2023 reportou 24,3% de adultos com obesidade e 61,4% com excesso de peso – proporções que tornam qualquer estratégia farmacológica universalmente gratuita impraticável financeiramente. Seria muito complexo alocar recursos para a compra de canetas emagrecedoras e medicamentos contra a obesidade, desmantelando outros setores da atenção primária (manutenção de postos de saúde, vacinas, medicamentos e insumos), além de áreas viscerais como oncologia, cardiologia e cirurgias eletivas.

Políticas públicas de saúde com foco em obesidade e em suas comorbidades precisam mirar na tríade prevenção, ambiente alimentar e monitoramento frequente, mas não somente visando investir em fármacos, que seriam o fim do processo. Não há dúvidas de que é muito oneroso investir em doenças consideradas evitáveis, enquanto alguns setores da atenção primária ainda demandam tanto.

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