Q uem depende do INSS sabe que o tempo não corre a favor de quem espera. O número oficial divulgado pelo instituto em julho fala em 2,6 milhões de pedidos em análise. Mas esse dado representa apenas a etapa inicial. A fila real, somando revisões, recursos, ações judiciais e demandas internas, chega a 6,1 milhões de processos, conforme já bem divulgado acertadamente e com o merecido destaque pelo Estado de Minas. Esse acúmulo transforma o acesso a benefícios básicos em uma espera sem prazo, capaz de comprometer o sustento de famílias inteiras.


Para quem tenta obter um auxílio por incapacidade, por exemplo, havia em maio 856,9 mil requerimentos na fila para a perícia médica. O número total da fila não divulgado no boletim de transparência previdenciária inclui 285 mil pedidos de revisão, 208 mil recursos administrativos e 136 mil cumprimentos de ações judiciais.


A fila oficial divulgada pelo Instituto em abril foi de 2,678 milhões de requerimentos. Um aumento de 91% em relação ao mesmo mês no ano anterior, que tinha 1,4 milhão.


Um levantamento de março, feito a partir de dados internos do INSS, apontou que o tempo médio para a solução de todos os processos é de 468 dias. E mesmo categorias consideradas prioritárias, como aposentadoria e BPC, ultrapassam o prazo máximo de 46 dias estabelecido pela lei. Em junho, o prazo para concessão do Benefício de Prestação Continuada à pessoa com deficiência chegava a 110 dias. Já a aposentadoria por tempo de contribuição levava, em média, 68 dias e a média nacional das perícias médicas era de 56 dias. O atraso não é só burocrático. Ele adia decisões urgentes sobre renda, tratamento e dignidade.


A lentidão atinge também o funcionamento interno do Instituto. Todos os meses, cerca de 1 milhão de benefícios são selecionados para reavaliação por suspeita de irregularidade. Em mais da metade desses casos, o pagamento é suspenso, o que representaria uma economia de até R$ 15 bilhões ao ano, de acordo com o levantamento do consultor Leonardo Rolim, que presidiu o INSS.


Há outras filas que seguem longe dos holofotes. O seguro-defeso, voltado a pescadores artesanais, pode levar quase um ano para ser liberado. Atualmente, o INSS divulgou haver 715 mil pedidos de Seguro Defeso, voltado a pescadores e artesanais, pendentes. Ao mesmo tempo, investigações revelam fraudes bilionárias no programa, com pagamentos feitos a milhares de pessoas que não exercem atividade pesqueira, especialmente na região Norte. Em alguns municípios, como Cametá e Mocajuba, no Pará, o número de pescadores registrados ultrapassa, com folga, a população economicamente ativa. A Polícia Federal estimou que os pagamentos irregulares no Pará geraram um prejuízo que pode chegar a R$ 130 milhões por mês. O contraste entre o ritmo lento de quem espera e a velocidade com que recursos são desviados reforça o grau de desorganização institucional instalado.


O funcionamento dos sistemas também não tem garantido regularidade. No primeiro semestre de 2025, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contabilizou 67 dias de indisponibilidade em um ou mais sistemas utilizados por seus servidores. Com isso, perícias foram adiadas, análises interrompidas e prazos desrespeitados.


A desorganização também aparece na forma como os dados são apresentados à sociedade. Apesar da dimensão da crise, os boletins oficiais seguem omitindo parte expressiva da realidade. Consideram apenas os pedidos em análise inicial, enquanto revisões, recursos, ações judiciais e demandas internas permanecem fora dos relatórios. O Tribunal de Contas da União já recomendou que todas as etapas sejam incluídas, mas o INSS ainda não apresentou um cronograma para cumprir a orientação.


Como um incentivo para reduzir as filas, o governo anunciou em abril a retomada do pagamento de bônus para peritos e analistas. O objetivo é priorizar processos com prazos já vencidos, avaliações sociais do Benefício de Prestação Continuada e serviços médicos em unidades com alta demanda. Os pagamentos, entretanto, ainda precisam de autorização orçamentária.


Sem dados completos, não há como fiscalizar. Sem incentivo adequado, a fila não anda. Sem um sistema que funcione, os prazos não se cumprem. A situação do INSS não é resultado de um erro pontual. É consequência de um conjunto de escolhas que deixou o órgão à deriva e milhões de brasileiros sem resposta.


Algumas mudanças são urgentes. Os relatórios precisam mostrar todos os números. O bônus por produtividade deve ser mantido com verba definida. Os sistemas têm que funcionar com estabilidade. Mas nenhuma dessas medidas terá efeito se continuar faltando cobrança. O Congresso precisa acompanhar os indicadores e o Ministério Público deve exigir ação.


Quem faz um pedido ao INSS não está pedindo um favor. Está exigindo o mínimo garantido pela Constituição. Quando o Estado deixa esse pedido sem resposta, ele falha com toda a ideia de proteção social.

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