A proposta de anistia costurada por partidos aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro no Congresso, antes mesmo da conclusão de seu julgamento e dos demais acusados de encabeçarem a tentativa de golpe, representa uma afronta direta à Constituição e um desrespeito à democracia. Não há justificativas jurídicas ou morais para que o Congresso Nacional se disponha a absolver aqueles que atentaram contra as instituições em 8 de janeiro de 2023, quando os palácios da Praça dos Três Poderes foram invadidos e depredados.


A única explicação possível é de ordem política: a extrema direita busca blindar seu líder e transformar os golpistas em mártires de uma causa autoritária. É preciso dizer: não há paralelo entre essa tentativa e as anistias anteriores. Em 1979, por exemplo, a Lei da Anistia foi parte de um processo de abertura que visava restaurar a vida democrática, permitir a volta de exilados e perseguidos políticos. Ainda que controversa, por também incluir agentes do regime responsáveis por torturas, assassinatos e “desaparecimentos”, aquela anistia tinha como horizonte a reconstrução da democracia. A que se pretende agora vai no sentido inverso: não repara injustiças, mas consagra um atentado sem precedentes contra a ordem constitucional desde a redemocratização do país, com a eleição de Tancredo Neves à Presidência.


Ao perdoar golpistas condenados, o Congresso legitimaria esse ataque sem precedentes ao Estado Democrático de Direito. Estaria transformando em direito adquirido a violência praticada contra o próprio parlamento, que foi invadido e depredado por turbas manipuladas por um projeto de poder inconfessável. Seria um gesto de autodepreciação política o parlamento renunciar à sua dignidade e sua soberania.


A Constituição de 1988 é clara: são imprescritíveis e inafiançáveis os crimes cometidos por grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), consolidada no caso Daniel Silveira, também não deixa margem a dúvidas: não cabe indulto, graça ou anistia a quem atenta contra a democracia. Aprovar uma medida dessa natureza seria, além de imoral, flagrantemente inconstitucional.


Portanto, a tentativa de transformar a anistia em bandeira é um ataque estratégico às instituições. Mais do que proteger indivíduos, busca fragilizar a autoridade do STF e desafiar a legitimidade do processo eleitoral. Não se trata de pacificação, mas de intimidação. Não se trata de reconciliação, mas de nova ameaça. Mais ainda: um gesto de lesa-pátria, porque forças externas ao país estão sendo mobilizadas para sufocar nossas instituições, com medidas extremas, como o tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.


É fundamental que a sociedade civil, as instituições nacionais, os partidos democráticos e os poderes constituídos resistam a esse retrocesso. Pesquisas recentes já mostraram que a maioria da população rejeita a ideia de perdoar golpistas. Cabe ao Congresso ouvir essa voz e rejeitar qualquer proposta de anistia que beneficie Bolsonaro ou seus seguidores caso sejam condenados pelo Supremo.


A democracia brasileira não pode ser traída em nome de conveniências eleitorais. Rasgar a Constituição é abrir caminho para novas aventuras autoritárias. Se o parlamento insistir nessa escolha, caberá ao Supremo barrar o desatino, reafirmando o compromisso do país com a lei e com a democracia.

compartilhe