Nos últimos anos, o ecossistema de fintechs cresceu de forma exponencial no Brasil. Impulsionadas por uma estrutura regulatória mais flexível e pelo oferecimento de serviços financeiros ágeis, digitais e, em geral, mais acessíveis que os dos bancos tradicionais, diversas fintechs deixaram a condição de startups para se tornarem protagonistas no mercado financeiro. Entretanto, se por um lado a “desburocratização” favoreceu a expansão acelerada dessas empresas, por outro abriu espaço para a aproximação do crime organizado, que passou a enxergar no setor uma oportunidade de lavar recursos provenientes de infrações penais de maneira mais segura.


No dia 28/8/2025, veículos de imprensa de todo o país noticiaram amplamente uma operação conduzida pela Polícia Federal, Receita Federal e Ministério Público de São Paulo. A investigação apura a utilização de fintechs e fundos de investimento da Faria Lima para lavar, ocultar e blindar valores oriundos da atuação de facções criminosas no tráfico de drogas e no setor de combustíveis. Como reação, ainda no mesmo dia, a Receita Federal editou a Instrução Normativa RFB nº 2.278, ampliando o espectro regulatório sobre fintechs que atuam como instituições de pagamento, bem como sobre os participantes de arranjos de pagamento.


A partir de então, tais agentes passaram a estar sujeitos às mesmas normas e obrigações acessórias aplicáveis às instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Com a nova normativa, instituições de pagamento e participantes de arranjos de pagamento assumem maiores deveres de comunicação de atividades financeiras de seus clientes à Receita Federal, com o propósito de reduzir a possibilidade de que operações típicas de lavagem de dinheiro passem despercebidas pelo sistema.


Desde a edição da Lei nº 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro), posteriormente alterada pela Lei nº 12.683/2012, qualquer pessoa física ou jurídica que realizasse captação, intermediação ou aplicação de recursos de terceiros passou a estar sujeita aos mecanismos de controle e prevenção da lavagem de dinheiro no âmbito do sistema financeiro. Algumas fintechs, contudo, operavam sem autorização do Banco Central para essas atividades, situando-se à margem da regulação. Como resultado, parte dessas empresas passou a atuar em uma zona cinzenta: desempenhavam funções semelhantes às de bancos, mas com menor carga regulatória, sobretudo no que se refere à prevenção à lavagem de dinheiro.


Para suprir esse vácuo normativo – até então muito bem explorado pelo crime organizado – foi publicada a nova norma administrativa pelo Banco Central. Conforme observam Vladimir Aras e Ilana Martins Luz, para que o sistema de prevenção à lavagem de dinheiro funcione é necessária uma interação adequada e coordenada entre os órgãos supervisores (como Receita Federal e Coaf) e os agentes do mercado (como bancos e fintechs de pagamento e de arranjos de pagamento).


Na ausência dessa coordenação, o sistema de prevenção se fragiliza, abrindo espaço para a infiltração de atividades criminosas no ambiente econômico-financeiro. Isso significa que, para que o sistema de prevenção à lavagem de dinheiro funcione plenamente, é indispensável que todas as empresas atuantes no mercado sejam igualmente obrigadas a estruturar mecanismos de verificação de atividades suspeitas, de identificação dos agentes envolvidos nas operações e de comunicação aos órgãos de controle.


Mais do que isso: os programas de compliance dessas empresas não podem ser frágeis ou meramente ilustrativos. Elas devem implementar medidas concretas de integridade, como monitoramento de transações, identificação do beneficiário final das operações, maior rigor nos procedimentos de Know Your Customer (KYC) e comunicação de operações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Além disso, medidas de suitability, controles internos e prestação do e-financeiro à Receita Federal passaram a ser uma realidade.


O desafio que se coloca agora é outro: será possível exigir das fintechs exatamente o mesmo nível de estrutura, controles e investimentos que se exige dos grandes bancos? Em certos pontos, a resposta é afirmativa: não há como flexibilizar medidas básicas de prevenção a ilícitos financeiros, mormente quando a atividade, na prática, é a mesma. Porém, em outros aspectos, talvez seja necessário calibrar o regramento, levando em conta as especificidades de empresas menores, que não dispõem do mesmo porte ou capacidade operacional de instituições bancárias tradicionais, de modo a não impedir o crescimento dos novos players. O futuro da regulação passará por esse equilíbrio.


O mercado precisa garantir que fintechs mantenham padrões rigorosos de prevenção à lavagem de dinheiro, sem que a sobrecarga regulatória inviabilize modelos de negócio inovadores. É justamente nesse ponto de tensão – entre inovação e segurança – que se definirá a sustentabilidade das fintechs no sistema financeiro nacional.

Filipe Papaiordanou

Advogado criminalista e professor. Mestrando em Direito Penal pela USP e especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra

Juliano Callegari Melchiori

Advogado criminalista, mestrando em Direito Penal pela USP e especialista em Processo Penal pela Universidade de Coimbra/IBCCRIM

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