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Quando o déficit fala mais alto que a Constituição

diante de um Estado incapaz de equilibrar suas contas, a resposta encontrada foi rasgar o pacto constitucional

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É fato notório que o Brasil convive há décadas com um desequilíbrio fiscal persistente. Não se trata de exclusividade deste ou daquele governo. Ano após ano, as contas públicas se arrastam em déficit, e cada gestão se vê pressionada a encontrar meios de fechar o caixa.


O problema é que, em vez de enfrentar as causas estruturais dessa crise, opta-se por soluções imediatistas, frágeis e inconstitucionais. A mais recente delas é a tributação de LCI, LCA, CRI e CRA – instrumentos criados para fomentar a habitação e a agricultura, agora transformados em alvo preferencial da sanha arrecadatória.


Esses títulos nasceram como mecanismos de política pública, previstos pela própria Constituição, para canalizar poupança privada em setores estratégicos. Ao revogar a isenção que lhes dá sentido, o governo não apenas distorce a finalidade extrafiscal desses papéis: revela também sua incapacidade de enfrentar o desequilíbrio fiscal sem minar a credibilidade das instituições que deveriam ser estáveis.


A Medida Provisória nº 1.303 explicita esse vício. Em sua exposição de motivos, declara-se sem rodeios que a medida serve para recompor a arrecadação antes pensada com o IOF. Não há, portanto, qualquer justificativa ligada à relevância ou urgência, como exige a Constituição. Nenhuma linha, sequer, sobre compatibilidade com o fomento à moradia ou ao agro.


O vício se agrava porque a tentativa de majorar o IOF já havia sido rejeitada pelo Legislativo e considerada inconstitucional pelo STF por desnaturar sua função regulatória, convertendo-o em instrumento puramente arrecadatório. A nova MP herda esse defeito e o confessa: fruto da árvore envenenada, cuja origem ilegítima contamina tudo o que dela nasce.


Tributar títulos isentos significa trair a ordem que o próprio Estado construiu. A Constituição determinou incentivos, o legislador os materializou, e agora o Executivo, em nome do déficit, rasga esse pacto institucional. Não se trata apenas de incoerência política, mas de uma contradição constitucional.


A seletividade também chama atenção. Preserva-se a isenção das debêntures de infraestrutura, enquanto se tributa papéis voltados à habitação e ao agro. Rompe-se, assim, a isonomia tributária e criam-se privilégios artificiosos, ditados pela conveniência fiscal.


O efeito mais nocivo, porém, é a quebra de confiança – indicador qualitativo essencial e componente do chamado “Custo Brasil”. O investidor que responde ao convite do Estado para financiar políticas constitucionais, ao ver a isenção ser revogada unilateralmente, recebe a mensagem de que a palavra estatal não vale. Pouco se arrecada, mas imenso é o custo em credibilidade.


No fim, a escolha de tributar os títulos isentos é emblemática: diante de um Estado incapaz de equilibrar suas contas, a resposta encontrada foi rasgar o pacto constitucional. Pouco se arrecada, mas muito se destrói. Ao atacar habitação e agro, o governo não apenas trai a Constituição, mas condena o país a viver sob a sombra de um Estado que troca previsibilidade por improviso, e segurança jurídica por arrecadação desesperada.

RANIERI GENARI

Advogado especialista
em direito tributário

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