Editorial

O alerta da água: o Brasil está secando

Enquanto brasileiros consultam o céu ou a meteorologia e torcem ou imploram pela chegada da chuva, um outro drama, silencioso e muito mais preocupante

Publicidade
Carregando...

Nas cidades, moradores sofrem com fenômenos típicos do fim da estação de estiagem, como níveis críticos de umidade que afetam a saúde, o incômodo das altas temperaturas e os incêndios – favorecidos pelas duas condições anteriores e que tornam a qualidade do ar ainda mais sufocante. No campo, habitantes encaram a seca que faz minguar lavouras, emagrece o gado e reduz a água disponível até para o consumo humano. Enquanto brasileiros dessas duas realidades consultam o céu ou a meteorologia e torcem ou imploram pela chegada da chuva, um outro drama, silencioso e muito mais preocupante, avança seca após seca: os recursos hídricos do país estão encolhendo.


Analisando a realidade do ano anterior, o MapBiomas – uma rede global formada por universidades, ONGs e empresas de tecnologia, que há uma década monitora transformações na cobertura vegetal, hídrica e no uso da terra – alerta que 2024 manteve a realidade de redução na superfície de água do país já registrada em anos anteriores, em tendência observada a partir de 2009 e só quebrada desde então em 2022. Pior: segundo a plataforma, oito dos 10 anos mais secos de toda a série histórica estudada, a partir de 1985, ocorreram na última década.


A constatação é que dinâmicas de ocupação e uso da terra, associadas a eventos climáticos extremos ligados ao aquecimento global, estão sorvendo recursos hídricos do país, como observou Juliano Schirmbeck, coordenador técnico do MapBiomas Água. E isso vem ocorrendo em uma velocidade assustadora. Depois de perder em 2023 uma superfície de água de 571 mil hectares, uma área do tamanho do Distrito Federal, o país viu o seu conjunto de recursos hídricos ser drenado em mais 400 mil hectares, área que supera em duas vezes e meia a da cidade de São Paulo, com base em dados da rede multidisciplinar.


A exemplo do que ocorreu no Pantanal Matogrossense, que em 2024 foi o bioma que mais perdeu superfície de água em relação à média histórica, com recuo de impressionantes 61%, segundo a rede, menos áreas alagadas representam mais espaço para que o fogo ganhe terreno. Mais solo calcinado pelas chamas, por sua vez, significa menor permeabilidade e menos recursos hídricos realimentando o lençol freático, o que impulsiona um ciclo perverso de degradação.


Ao mesmo tempo em que os recursos naturais encolhem, a demanda por água, seja nas grandes cidades, seja na indústria, seja no agronegócio, tende a se manter continuamente na direção contrária, apontando para uma combinação insustentável. Essa realidade exige soluções cuja busca não pode mais ser adiada, sob ameaça de situações como a crise hídrica de 2014/2015, que afetou drasticamente o abastecimento em metrópoles como São Paulo e Belo Horizonte, sem mencionar o potencial de impacto sobre ecossistemas e sobre setores como a geração de energia e a segurança alimentar.


A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que será realizada no próximo mês, em Belém (PA), representa mais uma janela de oportunidade para enfrentar o tema. De fato, a água promete ser um dos principais tópicos de discussão da cúpula. O que se espera – e se faz urgente – é que o assunto não se limite a discursos, números e exposições alarmantes, sem se transformar em ações práticas com alcance capaz de reverter o quadro atual.


Para além das discussões diplomáticas e governamentais, porém, a gestão de recursos hídricos precisa ser, tanto quanto uma cobrança diária, uma agenda abraçada por toda a sociedade. Consumo consciente da água, diminuição do desperdício, redução do uso de poluentes e outras atitudes de poupança e preservação são providências que devem partir de cada cidadão. Não dependem de governos nem da COP 30. Podem, e devem, começar hoje.

Acesse o Clube do Assinante

Clique aqui para finalizar a ativação.

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay