O efeito humano de uma sala de aula
Podemos falar de um ecossistema escolar, com seus contextos e conexões que só fazem sentido quando vistos e lidos em sua totalidade
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De: Aleluia Heringer Lisboa - Doutora em Educação (UFMG)
O sinal finalizando o recreio bateu e os professores se encaminharam para as salas de aula, naquele burburinho típico de uma escola, que se intensifica nos corredores com o deslocamento agitado dos estudantes.
O desenrolar de uma aula requer um permanente estado de alerta do professor, diga-se de passagem, humano e falível, gente como nós. Esteja ele à frente, em uma exposição, conduzindo dinâmicas em pequenos grupos, coordenando ensaios ou qualquer outra prática pedagógica, sempre se espera que seja educado, atencioso, justo, organizado e tecnicamente competente. Entretanto, mesmo que o discurso anuncie isso, não é preciso ser professor nem estudante para saber que esse “Super Educador” existe apenas no nosso imaginário.
Não se controlam todas as variáveis que envolvem o professor e o estudante, entre elas: a disposição para o trabalho; o interesse; a empatia; a disciplina intelectual e corporal; a contenção da impulsividade para falar; os pedidos constantes para ir ao banheiro ou beber água; administrar o ritmo de aprendizagem daquele que já entendeu tudo e demanda mais, em contraste com o ritmo daquele que tem dificuldade e está prestes a desistir. Em 50 minutos, tudo pode mudar e certamente mudará, inúmeras vezes. Uma aula é uma sucessão de microinterferências, deslocamentos, cisões e relações, tanto de parcerias e cooperação quanto de disputas e tensões. Podemos falar de um ecossistema escolar, com seus contextos e conexões que só fazem sentido quando vistos e lidos em sua totalidade.
Ao longo do ano, muitas coisas bonitas acontecem em uma sala de aula, bem como aquelas experiências lamentáveis, que, se possível, gostaríamos que constassem apenas no “making of”. Mas não! Isso é possível no cinema, mas, na vida real, não há ensaios; tudo é ao vivo e em cores! É na reciprocidade entre professor e estudante que essa “gente” vai se afetando, tensionando, desafiando, testando, crescendo e aprendendo.
É fundamental desenvolvermos a capacidade de enxergar a beleza dessa dinâmica, avaliar os contextos e o conjunto do percurso escolar. Ouvir trechos ou pinçar fragmentos e, a partir deles, tirar conclusões só leva a equívocos e julgamentos precipitados.
Todos os gestos e tudo aquilo que acontece no interior da escola, por mais difícil que seja, são fonte de aprendizado. A dinâmica escolar é ligeira e permite o reparo simultâneo ao acontecido. Quantos desentendimentos entre colegas ou professores se resolvem com uma conversa e um pedido de desculpas (isso, sim, é educativo!), mas acabam se arrastando por dias e intermináveis conversas, bilhetes, ameaças, não por conta dos estudantes, mas pela plateia que nem sempre conhece o contexto da cena. A excessiva interferência externa, com seus pedidos de pausas, em vez de contribuir, acaba por anular a riqueza do aprendizado.
É possível criar barreiras e interditar o percurso de um rio, assim como a dinâmica escolar. Entretanto, o preço que se paga é altíssimo, pois todo o seu ecossistema é afetado.
Esse é o diário, rico e complexo, do fluxo escolar, que exige de seus atores e dos pares muitos acordos, escutas e o aprendizado do respeito como forma de viabilizar a convivência entre os diferentes. Tamanha pluralidade não é privilégio ou escolha da escola, mas é algo que está presente e que faz o mundo. Cada estudante e cada professor chegam com sua bagagem e sabem exatamente o que carregam, ou deixam de carregar. Apenas por um momento, compartilhamos a mesma estação. Depois de um tempo, cada um partirá para o seu destino. Nosso anelo é que partam enriquecidos academicamente, mas também humanos, sensíveis e tolerantes.