Pragmatismo é o caminho para relação com os EUA
Brasil precisa abrir portas, não criar muros. E a hora é propícia: Trump busca consolidar sua liderança hemisférica e precisa de um interlocutor estável no Sul
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A reunião entre o chanceler Mauro Vieira e o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, é o primeiro sinal concreto de que Brasil e Estados Unidos começam a restabelecer o caminho da normalidade diplomática. Depois de meses de tensão e ruído provocados pelo tarifaço de 50% imposto por Donald Trump sobre produtos brasileiros, os dois países voltaram a conversar com serenidade – e, mais importante, com pragmatismo. É um passo pequeno, mas simbólico: o da reconstrução da confiança entre as duas maiores democracias do Ocidente.
O governo Lula entendeu que, para avançar na agenda econômica e tecnológica, precisa deixar de lado os discursos ideológicos e as desconfianças herdadas do passado. Trump, por sua vez, também percebeu que o Brasil é grande demais para ser tratado como adversário e indispensável demais para ser ignorado. Nesse ponto, a política fala a linguagem dos fatos: os Estados Unidos precisam de acesso a minerais críticos, energia limpa e novos mercados; o Brasil precisa de investimentos, tecnologia e previsibilidade.
A presença de Marco Rubio à frente da interlocução é reveladora. Conservador, hispânico e com trânsito no Congresso americano, Rubio representa uma versão mais inclinada a cruzadas ideológicas e mais atenta à segurança econômica dos EUA. Entretanto, revelou pragmatismo ao sentar-se com Mauro Vieira diante do retrato do diplomata John Hay (1838–1905),um dos diplomatas e estadistas mais influentes dos Estados Unidos entre o fim do século 19 e início do 20.
O gesto é uma metáfora: abre-se a cortina de um novo capítulo, em que o diálogo vale mais do que a provocação. É também um recado político interno. O governo Lula afasta-se, com firmeza, da herança tóxica deixada pelo bolsonarismo antipatriótico – aquele que, mesmo exercendo mandato parlamentar, atua em território estrangeiro contra o próprio país. O Itamaraty retoma sua função histórica: representar o Brasil com sobriedade, equilíbrio e inteligência estratégica.
A coincidência entre a reunião de Vieira e Rubio e a criação do Conselho Nacional de Política Mineral, anunciada pelo ministro Alexandre Silveira, não foi mero acaso. Trata-se de um gesto coordenado, sinalizando que o Brasil quer negociar a partir de suas potencialidades estratégicas – nióbio, cobre, urânio, terras raras – e não de suas fragilidades. O recado é claro: o país deseja parceria, não tutela.
Lula também fez sua parte: deixou de lado a retórica geopolítica dos Brics e engavetou a ideia de uma moeda comum, tema que irritava Washington. O recuo não significa submissão, mas realismo. O Brasil precisa abrir portas, não criar muros. E a hora é propícia: Trump busca consolidar sua liderança hemisférica e precisa de um interlocutor estável no Sul.
Nada disso será simples. A reversão das tarifas não virá de imediato, e as pressões americanas sobre temas sensíveis – Amazônia, licenciamento ambiental, Venezuela e Cuba – continuarão. Mas o Brasil está mais bem posicionado para negociar quando fala com voz serena e unificada. O desafio agora é sustentar esse novo tom.