A saúde mental no Brasil, de maneira geral, atravessa uma encruzilhada: a demanda por cuidados aumentou nos últimos anos, mas persistem fatores como lacunas estruturais, estigma e respostas públicas fragmentadas. Globalmente, transtornos mentais como depressão e ansiedade estão entre as condições mais prevalentes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 5% a 6% dos adultos no mundo vivem com depressão e que centenas de milhões convivem com transtornos de ansiedade – realidades que se refletem com intensidade no Brasil.
No país, a prevalência de depressão ao longo da vida gira em torno de 15,5% e aponta o Brasil entre os que apresentam as maiores taxas na América Latina. A pandemia da Covid-19 e o cenário econômico agravaram o sofrimento psíquico, elevando a procura por serviços e o uso de medicamentos psicotrópicos. Registros do Sistema Único de Saúde (SUS) mostram um crescimento expressivo de atendimentos psicossociais e de prescrições de antipsicóticos na última década.
Entre 2013 e 2023, o número de Centros de Atenção Psicossocial (Caps) cresceu significativamente, com um aumento de 42,7%, chegando a 3.343 estabelecimentos. No entanto, apesar do aumento na demanda, a presença de psicólogos no SUS não acompanhou o mesmo ritmo, com a concentração de profissionais diminuindo de 66,8% para 53,1% no período.
Além disso, as redes públicas de atenção psicossocial (Raps), estruturadas em torno dos Caps, da atenção primária e de leitos de referência, são um avanço conceitual importante já que focam na reabilitação psicossocial e na inserção comunitária, porém, enfrentam subfinanciamento, distribuição desigual e sobrecarga. Mesmo com o aumento dos atendimentos psicossociais na última década, há municípios sem cobertura adequada e filas para atendimento especializado, o que empurra pessoas para a esfera privada ou para o uso inadequado de medicamentos.
No campo legislativo, há uma movimentação significativa. Projetos que visam ampliar o acesso à atenção pós-pandemia (PL 311/2024), estabelecer diretrizes de saúde mental no trabalho (PL 1152/2025) e normatizar abordagens policiais humanizadas a pessoas em crise mental (PL 922/2024) estão em tramitação – reflexo de uma agenda pública que começa a reconhecer dimensões sanitárias, laborais e de segurança associadas à saúde mental.
Ainda assim, a efetividade dependerá da dotação orçamentária, da formação de equipes multiprofissionais e da articulação intersetorial. No plano laboral e social, o preconceito persiste. Pessoas com transtornos mentais frequentemente enfrentam discriminação nas relações de trabalho: desde dificuldades de contratação e promoção até estigmatização que as expõe a condições de assédio moral e perda de renda.
O aumento recente de afastamentos por motivos de saúde mental – dados de 2024 mostram que o país registrou mais de 472 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais, sendo o maior contingente desde 2014, quando este número alcançou pouco mais de 221 mil registros – revela tanto um maior reconhecimento dos transtornos quanto o custo social e econômico do tratamento inadequado.
Na semana que vem, em 10 de outubro, será celebrado o Dia Mundial da Saúde Mental. Fica a reflexão: os principais gargalos são o financiamento insuficiente e a má distribuição de recursos; o déficit de profissionais e a necessidade de capacitação em atenção comunitária; e, por último, o estigma estrutural que perpassa serviços de saúde, trabalho e justiça/segurança pública.