Luiz Gustavo Neves
Cofundador e CEO do GigU, ferramenta para motoristas e entregadores de aplicativo
O crescimento das plataformas de transporte e entrega, como Uber e iFood, representa uma mudança estrutural no mercado de trabalho brasileiro. Entre 2015 e o segundo trimestre de 2025, o número de trabalhadores por aplicativo passou de 770 mil para 2,1 milhões – um aumento de 170% – enquanto a população ocupada do país cresceu apenas 10%. Esses números, divulgados pelo Banco Central no Relatório de Política Monetária, indicam que os apps não apenas ampliaram o acesso ao trabalho, mas também contribuíram para a redução do desemprego e o aumento da participação no mercado.
Esse avanço evidencia uma transformação que vai além das estatísticas: reflete o surgimento de novas formas de ocupação. O BC aponta que a maioria dos trabalhadores veio de fora da força de trabalho, ou seja, não houve substituição de empregos formais, mas sim a criação de oportunidades antes inexistentes. Em um país marcado por desigualdade e altos índices de informalidade, esse movimento é relevante: insere profissionais na economia, oferecendo flexibilidade e renda, especialmente para aqueles que enfrentam barreiras de entrada no mercado tradicional.
Apesar da expansão acelerada, a participação desses trabalhadores ainda é relativamente pequena: 2,1% da população ocupada e 1,2% da população em idade de trabalhar. Esse dado sugere que, embora o impacto seja significativo, há espaço para crescimento e consolidação do setor. As plataformas digitais podem ampliar sua penetração, não apenas como alternativa de renda, mas como componente estratégico da economia, integrando serviços e consumo em um modelo digitalizado que dialoga com a vida cotidiana. E o final deste ano promete agitar o setor com a chegada de novos players e a volta da 99Food vindo a todo vapor.
Outro ponto relevante é o efeito sobre o consumo e a inflação. O IBGE já incorpora serviços de transporte por aplicativo no cálculo do IPCA, com participação de 0,3% em agosto, próxima ao peso de passagens aéreas. Isso demonstra que essas plataformas não são apenas geradoras de emprego, mas também elementos estruturais da economia, com influência direta sobre padrões de consumo e preços. O trabalho por aplicativos conecta-se à rotina de milhões de brasileiros, tornando-se parte essencial do funcionamento do dia a dia e da cadeia econômica.
No entanto, o crescimento do setor também levanta questões sobre direitos trabalhistas, proteção social e segurança. A flexibilidade, embora atraente, muitas vezes vem acompanhada da ausência de benefícios formais, estabilidade e proteção previdenciária. Por isso, a expansão das plataformas digitais precisa ser acompanhada de políticas públicas e regulamentações que garantam equilíbrio entre inovação, geração de renda e proteção ao trabalhador.
A transformação do mercado de trabalho pelo avanço das plataformas digitais evidencia uma tendência global: a economia digital não apenas cria novos empregos, mas redefine o próprio conceito de trabalho. Para o Brasil, o desafio será aproveitar esse potencial integrando inovação, inclusão e sustentabilidade social. O crescimento dos apps mostra que é possível gerar ocupação e estimular o consumo de forma simultânea, mas é fundamental conduzir essa revolução de forma estruturada, garantindo que os benefícios alcancem trabalhadores e consumidores.
No futuro próximo, o mercado brasileiro tende a se tornar ainda mais digital e flexível. A consolidação dessas novas formas de trabalho será um dos elementos centrais da economia – e a grande questão é como equilibrar inovação e proteção social para que o avanço das plataformas digitais se traduza em desenvolvimento sustentável e inclusivo.