GIOVANNI A. SALUM

Psiquiatra, professor da UFRGS, membro do Global Center da Fundação Stavros Niarchos (SNF) para a saúde mental de crianças e adolescentes no Child Mind Institute (CMI)


CAIO B. CASELLA

Psiquiatra, analista clínico de dados, membro do Global Center da Fundação Stavros Niarchos (SNF) para a saúde mental de crianças e adolescentes no Child Mind Institute (CMI)


Em 10 de outubro, é celebrado o Dia Mundial da Saúde Mental, instituído para chamar atenção para a relevância do tema em todo o mundo. Por muito tempo, a saúde mental de crianças e adolescentes foi ainda mais negligenciada do que a do restante da população. Mas hoje ela ganha destaque, impulsionada por fatores como os impactos da pandemia, o aumento das discussões sobre diagnóstico de autismo e debates recentes sobre a exposição precoce e a adultização de crianças nas plataformas digitais.

Esse foco é essencial porque a juventude é a fase da vida em que a maior parte dos transtornos mentais se inicia: cerca de 50% começam até os 14 anos e 75%, até os 24, segundo um estudo de Ronald C. Kessler, professor de Políticas de Saúde de Harvard. Condições como ansiedade e depressão já representam uma parte importante da carga de doenças nessa faixa etária, e estudos apontam um aumento de sua prevalência nos últimos anos. O suicídio está entre as principais causas de morte entre jovens, inclusive no Brasil, que tem mais de 50 milhões de crianças e adolescentes, de acordo com o IBGE.

Apesar da maior atenção ao tema e de avanços importantes, como a expansão da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), incluindo os Centros de Atenção Psicossocial infantojuvenis (CAPSi) – já são 324 no país –, ainda estamos muito distantes do necessário. Pesquisadores da USP, Unifesp e UFRGS estimam que 80% dos jovens com sofrimento psíquico não recebam atendimento especializado, mesmo em grandes capitais. Entre os principais obstáculos estão o estigma, uma atenção primária sem alternativas de terapias eficazes – particularmente psicossociais – para condições de saúde mental comuns como ansiedade, depressão e comportamentos disruptivos, a concentração de profissionais em poucos centros urbanos e uma atenção especializada sem treinamento em práticas assistenciais embasadas em evidências.

No campo da informação e conhecimento, os desafios também são grandes. Nem sempre o que circula em redes sociais é confiável, o que pode elevar a desinformação e os autodiagnósticos errados, rotulando experiências comuns como transtornos. Apesar do crescimento da produção científica brasileira desde os anos 2000, faltam dados representativos sobre prevalência de transtornos mentais em crianças e adolescentes. Uma revisão feita pelo grupo de estudos do MedRxiv no Brasil identificou taxas em torno de 13%, semelhantes às globais, mas esses dados vêm principalmente de amostras das regiões Sul e Sudeste, faltando uma representatividade nacional. Essa lacuna dificulta o planejamento de políticas públicas e o fortalecimento da defesa desse tema como prioridade nacional.

Frente a esse cenário, iniciativas recentes apontam caminhos importantes. Em 2024, a criação do Grupo de Trabalho em Saúde Mental de Crianças, Adolescentes e Jovens no Ministério da Saúde representa um passo no sentido de atualizar diretrizes e consolidar normas específicas para essa população. Ainda em 2024, a aprovação da Política Nacional de Atenção Psicossocial em Comunidades Escolares reconheceu a escola como espaço estratégico de cuidado: não para transformar professores em profissionais de saúde, mas para capacitá-los a criar ambientes que promovam bem-estar e identifiquem precocemente jovens que necessitem de maior suporte, em articulação com a saúde.

Em sintonia com essa agenda, o que as organizações e demais atores envolvidos com essa causa precisam fazer é se engajar em projetos transformadores, alicerçados sobre uma ativa participação dos jovens – de modo a integrar as novas gerações na busca de soluções – e viabilizados por uma soma de forças com outras instituições, que assim fomentam a construção colaborativa de caminhos para a implementação dos novos arcabouços legais – além de, na outra ponta, estimular sua formulação.

Embora os desafios sejam grandes, falar abertamente sobre saúde mental, combater o estigma, engajar-se em parcerias realmente comprometidas e propiciar para a população políticas públicas baseadas em evidências e na voz ativa da população infantojuvenil são passos essenciais para que nossas crianças e adolescentes cresçam com mais saúde, dignidade e esperança, e possam realizar por completo seus desejos e potenciais na vida.

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