A 67ª Cúpula do Mercosul foi iniciada, no último sábado, em meio à expectativa sobre como os países reagiriam à não assinatura do esperado acordo comercial com a União Europeia. O comunicado em conjunto divulgado ao fim do encontro em Foz do Iguaçu, no Paraná, fala em “desapontamento” dos países latinos com o adiamento do pacto, em negociação há 26 anos. Mas foi a ausência de um tema no documento final que acabou chamando a atenção: faltou um posicionamento sobre a ofensiva dos Estados Unidos contra a Venezuela.

O tema foi amplamente debatido na Cúpula, mas os chefes de Estado do Mercosul e os Estados associados não chegaram a um consenso. Ao contrário, a divergência é clara. Já nos discursos de abertura, Luiz Inácio Lula da Silva e Javier Milei evidenciaram que uma convergência de posição do bloco em relação à questão era pouco provável. Enquanto o presidente brasileiro alertava para pontos como tensionamento dos limites do direito internacional e risco de “catástrofe humanitária”, o argentino conclamava os presentes a se unirem contra a “ditadura atroz e desumana do narcoterrorista Nicolás Maduro” para não serem “arrastados” por ela.

Não houve avanços. Para marcar posição, a alternativa escolhida por Milei e aliados foi divulgar um documento paralelo – sem o carimbo do Mercosul – em que “reafirmam seu firme compromisso de alcançar, por meios pacíficos, a plena restauração da ordem democrática e o respeito irrestrito aos direitos humanos na Venezuela". Seis países assinaram o texto – Argentina e Paraguai, integrantes do Mercosul, e os associados Panamá, Bolívia, Equador e Peru.

Brasil e Uruguai não aceitaram os termos, argumentando que poderiam legitimar uma intervenção estadunidense na Venezuela. Trump e Maduro não são citados nominalmente no documento, que foi elogiado por María Corina Machado, opositora do presidente venezuelano. O Paraguai, um dos signatários, assumiu a presidência rotativa do Mercosul, até então sob comando do Brasil, na Cúpula de sábado. E a Venezuela está suspensa do bloco por descumprimento de normas.

A divisão evidente é mais um capítulo de uma reconfiguração política na região, alinhada à crise global do multilateralismo, que desperta preocupações. É natural que, em um ambiente democrático, países com interesses e realidades distintas tenham entendimentos contrários sobre temas como parcerias econômicas, compartilhamento de tecnologias e criação de fundos de financiamento. A ofensiva de Donald Trump contra o regime de Maduro, porém, leva o debate para um outro patamar: o de respeito à soberania dos povos, um dos princípios fundamentais das relações exteriores.

Trump ainda não provou que Maduro lidera uma organização terrorista estrangeira dedicada ao narcotráfico, ao tráfico de pessoas, a sequestros e assassinatos – justificativas adotadas quando deflagrou, há uma semana, a ofensiva da “maior Armada já reunida na história da América do Sul”. Tem sido criticado, inclusive internamente, quanto à escalada de tensão.

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A verborragia perde lugar para a ação armada em um momento em que América Latina é entendida como prioridade geopolítica do governo Trump, fazendo cumprir a Doutrina Monroe, conforme a Estratégia de Segurança Nacional divulgada neste mês. A doutrina anunciada em 1823 tinha como objetivo impedir que países europeus colonizassem ou interferissem em países das Américas. Em tempos modernos, ganha nova configuração, com todas as nações latinas soberanas. É preciso, portanto, que divergências internas não ofusquem a análise estratégica e responsável que o atual momento exige.

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