Carlos Eduardo Pereira
“Aos irmãos”
Tive dez irmãos, éramos onze.
Nasci irmão desses todos
mas isso não foi tudo
nem foi só isso.
Eles nasceram meus irmãos
e até hoje a gente, os restantes,
apesar das diferenças
gosta de se ver.
Por razões que ainda não sei explicar,
hoje, algo etéreo,
sou do tipo que não parece mais existir
ou que parece não existir mais.
Um dia talvez
possa tentar lhes explicar
como é muito mais fácil se ausentar sem querer
que comparecer querendo.
Lembram como dizia nossa mãe
que era muito mais fácil ter medo
do que ter vergonha?
Talvez um dia queira o futuro
eu volte
se houver tempo.
*
“Nunca sempre”
Tentei ser feliz sempre
entretanto, de sobrevivência
em sobrevivência,
sinto o cheiro de ser feliz sempre
quase nunca.
Queria que a caminhada nunca fosse pesada
entretanto em meio às intempéries
nunca sinto o cheiro de ser feliz
quase sempre.
Enquanto o sofrimento no coração vagueia
sem certo sentido
o sempre nunca permeia
quase um destino.
Isso parece ser só dor
de um velho menino.
Mas o não nunca sempre em volta
passeia trazendo seu inevitável
desatino.
Destino sempre sempre
desatino quase nunca.
E às vezes já nem sei
se há conceito diferente
do sempre nunca de sempre.
Porque o sempre muitas vezes
felizmente surpreende.
E o nunca sempre se demonstra
como nunca sempre.
Porque se o sempre sempre quisesse
não existiria o nunca
que nunca quis.
“Roteiro das solidões”
Talvez já não tenha mais o que dizer
escrevendo poemas
talvez já não tenha mais o que dizer
não escrevendo poemas
talvez já não tenha mais o que não dizer
em respeito ao silêncio
a minha poesia aumenta na distância
e diminui na proximidade
a minha palavra morre na ausência
e tenta me levar junto.
*
“Pífios epitáfios”
III
Sempre quis ir para o céu
como todo mundo de sorte.
Apenas não precisava do escarcéu
de ter passado pela morte.
*
“Confidência teórica”
O seu perfume, que é somente
uma molécula orgânica composta de x
que tem massa molecular y
e uma densidade específica d,
estando a uma concentração c,
exalou de seu pescoço e viajou
por obra desse ventinho que sopra
a uma velocidade v
e por estarmos entre nós a uma distância w
em um tempo t,
ele chegou até meu olfato.
Graças aos Fenômenos dos Transportes
através dessas variáveis
processei tudo
e com tantas incógnitas
além dos feromônios
mais as intangíveis
que não sei explicar de onde vieram
(nunca se sabe)
gostei de sentir o importante resultado
obtido nessa operação
que confirmou direitinho
quanto tempo levou
pra isso acontecer!
SOBRE O AUTOR
Carlos Eduardo Pereira (foto) nasceu em Araxá (MG) em 1951. Formado em técnica em Metalurgia na Escola Técnica Federal de Ouro Preto (1970), é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de São Carlos (1977), mestre (1984) e doutor em Engenharia Metalúrgica e de Minas pela UFMG. Após mais de meio século de atividades profissionais – hoje na área de projetos industriais –, lançou em 2024 seu primeiro livro de poemas, “A parte mais vazia do nada” (Crivo Editorial). O segundo livro, “Perpétuo neófito & seus pífios epitáfios”, é descrito na apresentação por Pedro Paulo Gomes Pereira como “obra multifacetada, resistente a classificações apressadas, na qual o autor conduz um jogo com os limites da linguagem e da subjetividade.
“Perpétuo neófito & seus pífios epitáfios”
• De Carlos Eduardo Pereira
• Crivo Editorial
• 144 páginas
• R$ 66
• Lançamento na quinta-feira (14/8), das 18h às 22h, na Quixote Livraria (R. Fernandes Tourinho, 276, BH)