Tudo na vida tem dois lados – e todos, inclusive os mais queridos nomes da literatura, podem ter também. E surpreender o leitor. Portanto, se você conhece o mineiro Bernardo Guimarães (1825-1884) apenas do célebre romance “A escrava Isaura”, datado de 150 anos atrás e transformado em novela de televisão, não perde por esperar. É de autoria dele o livro “Elixir do pajé e outros poemas de humor, sátira e escatologia” (Grupo Editorial Quixote), reeditado e com lançamento neste sábado, às 11h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi), em Belo Horizonte.

Neste ano de homenagens pelo bicentenário do escritor natural de Ouro Preto, vale conhecer a obra que diverte, faz rir e vem em boa companhia nesta reedição: um estudo crítico de Duda Machado, professor aposentado de literatura da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), tradutor e poeta.

Também neste sábado, no mesmo horário e local, há o relançamento, pelo Grupo Editorial Quixote, de “Cartas Constança Guimarães (1871-1888)”, livro com a correspondência da filha de Bernardo Guimarães, organizado por Eliane Marta Teixeira Lopes. As cartas foram escritas para as primas entre 1887 e 1888, ano em que Constança morreu de tuberculose logo após completar 17 anos. Temos, então, pai e filha eternizados pelas letras.

Professora de história da educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e autora de artigos e livros acadêmicos, Eliane apresenta o resultado de uma pesquisa e acrescenta um ensaio analisando a romantização da tuberculose e o seu impacto entre as mulheres, principalmente.

“Com certeza, o leitor vai conhecer outro lado do escritor Bernardo Guimarães. Não diria ‘marginal’, mas diferente”, observa o editor do Grupo Quixote, João Camilo de Oliveira Torres. Ele lembra que o autor de “A escrava Isaura”, romance que ganhou o mundo com a novela de mesmo nome (1976), foi um grande poeta do século 19, influenciado por figuras do romantismo como Lord Byron (poeta britânico, 1788-1824).

“Nesta antologia organizada e prefaciada por Duda Machado, podemos conhecer poemas satíricos, até mesmo eróticos, conforme avisa o prefácio da edição de 1875: ‘Não são dedicados às moças e aos meninos. Eles podem ser lidos e apreciados por pessoas sérias, que os encarem pelo lado poético e cômico, sem ofensa da moralidade e nem tão pouco das consciências pudicas e delicadas’. Nesse texto escrito há 150 anos, há dois parágrafos reveladores: ‘A lira do poeta mineiro tem todas as cordas; ele a sabe ferir em todos os tons e ritmos diferentes com mão de mestre’.

E mais: ‘Estas poesias podem se chamar erótico-cômicas. Quando BG escrevia estes versos inimitáveis, sua musa estava de veia para fazer rir, e é sabido que para fazer rir são precisos talentos mais elevados do que para fazer chorar’.” Lendo os poemas, principalmente o que dá nome à obra, fica a impressão de que Bernardo Guimarães se divertia muito a cada palavra escrita, muitas de baixo calão entremeados por humor e erotismo.

DIVERSÃO

Publicada originalmente pela Hedra, a edição de agora traz novo design, mantendo a seleção original de poemas. No prefácio, assim escreve Duda Machado: “Poemas como ‘Elixir do pajé’, ‘Lembranças do nosso amor’, ‘Soneto’ mostram a capacidade crítica do autor de divertir-se às custas do romantismo. Em ‘A orgia dos duendes’ esta capacidade crítico-humorística, como iremos ver, atinge uma notável complexidade. Nesta mesma faixa, pode-se acrescentar algumas estrofes da 2ª parte de ‘O nariz perante os poetas’ (1858).

Duda continua: “É na segunda e terceira estrofes da primeira parte deste poema que se encontra igualmente o ataque paródico-satírico às imagens petrarquistas e neoclássicas para a composição do retrato da beleza feminina. A estratégia adotada pelo poema está em consumar a impossibilidade do elogio ao nariz através do fracasso reiterado das tentativas de celebrá-lo até que se imponha a conclusão: ‘Está decidido — não cabes em verso,/Rebelde nariz.’ Já a segunda parte do poema satiriza as metáforas inovadoras do romantismo (‘... Vou arrojar-me pelo vago/Dessas comparação que a trouxe-mouxe/Do romantismo o gênio cá nos trouxe’) e o culto romântico da imaginação: ‘E à fantasia as rédeas sacudindo/Irei, bem como um cego,/Nas ondas me atirar do vasto pego,/Que as românticas musas desenvoltas/Costumam navegar a velas soltas.’ Como parte do jogo, o final do poema volta a depreciar o nariz, mas ao preço de arrastar consigo a irrisão dos símiles românticos para o retrato da amada: ‘Pra rematar tanta peta/O nariz será trombeta...’”

CARTAS DA FILHA


“Cartas Constança Guimarães (1871-1888)” traz o resultado da pesquisa realizada por Eliane Marta Teixeira Lopes, que localizou as cartas que a filha de Bernardo, Constança Guimarães, escreve para as primas entre 1887 e 1888, ano em que faleceu de tuberculose. Eliane assina um ensaio analisando a romantização da tuberculose e o seu impacto entre as mulheres, principalmente.

Constança da Silva Guimarães nasceu em Ouro Preto, em 11 de novembro de 1871, e morreu, na mesma cidade, em 29 de dezembro de 1888, vítima da tuberculose. Era filha do escritor BG e Teresa Maria Gomes Lima (Guimarães). O casal teve seis filhos e duas filhas (Isabel e Constança).

No prefácio, sob o título de “Isto não é uma biografia”, Eliane Marta Teixeira Lopes explica seu “encontro” com Constança. “Aconteceu um dia, quando por volta do meio-dia estava no Arquivo Público Mineiro em meio a pastas, de eu ficar extraordinariamente surpresa com cartas de uma senhorita que morou em Ouro Preto no século XIX. Foi como se um raio me tivesse atingido, ou como se tivesse avistado uma aparição. Assim foi a apresentação de Constança Guimarães a mim. Não foi a outrem que se exibiu. Uma exibição discreta: apenas oito cartas e um retrato. Esse encontro impunha-me deveres, e desde então sou responsável por ela. Sua ausência sugeria-me perguntas. Quem terá sido? Onde e como viveu? Sua imagem, sua letra e suas 13 missivas me surpreenderam pela concisão, pela ironia, pela aguda observação que fazia do entorno e de si. Era tudo o que eu sabia: a narrativa precisava ser construída.”

E continua Eliane: “O Arquivo Público Mineiro guardou um documento aparentemente banal: cartas. Não é uma copiosa correspondência, não há as cartas das primas para ela, nem de outras pessoas, fossem da família ou não. O que há são as de Constança, cuja ausência foi tão sentida pela prima Sinhoca que fez dessas cartas uma presença para durar. Mesmo sabendo que a narrativa é o relato enganoso do que aconteceu, mesmo sabendo do descompasso entre o real e o discurso sobre ele, era preciso costurar os tempos em que foram construídas as histórias. Outros textos, o contexto, me ajudariam a compreender o que Constança sentiu ao se expressar nas cartas para suas primas e o lugar que ocupou no mundo. Por isso, a literatura, as revistas, os jornais foram consultados. São tortuosos os caminhos da investigação que busca juntar pontas separadas pelo tempo. Mesmo não sabendo fazer a mágica da narrativa (im)perfeita, investigo: olhando para trás e para os lados, tomo atalhos intuitivos. Voltear é o que mais faço, mesmo com muitos riscos. Perco-me no caminho, acho novos objetos e sujeitos.”

Publicamos, aqui, dois trechos das obras reeditadas. Do “Elixir do pajé”, o “Hino à preguiça”, com uma epígrafe do poeta romano Virgílio: “...viridi projectus in antro...” (em português, “...deitado em verde gruta...”). O leitor vai entender, no primeiro poema, a função (ou seria disfunção?) do tal elixir. “Eis um santo elixir miraculoso,/que vem de longes terras,/transpondo montes serras,/e a mim chegou por modo misterioso.”

De Constança, apelidada Constancinha, há uma carta para prima e amiga Sinhoca. Ela tranquiliza a outra jovem: “Não te assustes mais com a minha molestia, que foi uma cousa atôa: tive uma congestão pulmonar, e bem sabes que essa doença só tem perigo logo que attaca.”


“Miscelânea” reúne escritos em jornais inéditos em livro

Terra natal de Bernardo Guimarães, Ouro Preto celebrou com ampla programação cultural, durante uma semana (de 8 a 15 de agosto), o bicentenário do filho ilustre. Um dos destaques foi o lançamento do livro “Miscelânea – Nos passos de Bernardo Guimarães” (Editora Liberdade), organizado pela conterrânea e professora universitária de literatura (aposentada), Maria Francelina Silami Ibrahim Drummond. “São textos inéditos em livro, antes só publicados em jornais de Ouro Preto e Rio de Janeiro”, conta Maria Francelina que, durante um ano, pesquisou trabalhos do escritor “de 1847 até um mês antes da sua morte”. Ele nasceu em 15 de agosto de 1825 e faleceu, na mesma cidade, em 10 de março de 1884.

“Miscelânea” reúne crítica literária, crônica, poesia, narrativa de viagem, notícia de festa, fortuna crítica póstuma, histórico do processo de Catalão, documentação pessoal do escritor e de seus pais e um jornal manuscrito que apresenta um anfiguri e o autógrafo de Bernardo Guimarães.

A autora explica o título escolhido: “É importante lembrar que miscelânea é um gênero textual usado na imprensa do século 19 e visa a atrair leitores, com expectativas diferentes e temas voltados para um sentido comum. Abre-se um leque de variedades que proporciona leitura agradável e moderna de textos literários e científicos, de relatos de acontecimentos, correspondências e notícias da vida cotidiana. Portanto guarda familiaridade com a antologia, a coletânea, a compilação, a crestomatia, a guirlanda, a seleta, a silva, o bosquejo, o florilégio, o ramalhete, o meandro e o parnaso.”

“Miscelânea” acompanha a vida de Bernardo Guimarães até a última crônica, publicada no Liberal Mineiro, poucos dias antes do falecimento. “Reproduz, ainda na forma manuscrita, poemas dispersos. Mostra um labor artístico que pontua espaços e tempos diversos. Dada a natureza de cada conjunto de textos, há capítulos grandes e pequenos”, esclarece Maria Francelina. No total, são 333 páginas, com ilustrações de Leandro Vilar e Aurélio H. dos Santos.

VIDA DE ESCRITOR


Maria Francelina informa que o capítulo 1 apresenta a biografia intelectual, atualizando a história da vida do escritor, cuja obra, grande e variada, ficou reduzida, no século 20, ao romance “A Escrava Isaura”, pela força da divulgação televisiva que teve. Já o capítulo 2 apresenta crônicas políticas e do cotidiano divulgadas pela imprensa de Ouro Preto e do Rio de Janeiro, enquanto o 3 traz as críticas que publicou no jornal A Atualidade, do Rio de Janeiro, em 1859 e 1860, sobre aspectos da poesia de Padre Correia (“Sátiras e Epigramas”), Gonçalves Dias (“Os Timbiras”), Junqueira Freire (“Inspirações do Claustro”) e Manuel de Macedo (“A Nebulosa”).

O capítulo 4 transcreve a primeira fortuna crítica póstuma do escritor, o 5 descreve o encontro com o imperador e a imperatriz em Ouro Preto, o 6 recolhe poesia dispersa em jornais e o 7 reporta à viagem ao Oeste de Minas, com minuciosas observações. O seguinte (8) reproduz um jornal manuscrito em que estão poema e o autógrafo de Bernardo Guimarães. O capítulo 9 é a notícia sobre o sarau artístico realizado em residência particular da Paróquia de Antônio Dias, em 1882, em que foram apresentados poemas de Bernardo Guimarães. O 10 transcreve matérias sobre o processo jurídico de Catalão, em Goiás, enquanto o 11 contém documentos cartoriais e eclesiásticos. “O 12 é uma das raras críticas ao conto ‘Uma história de quilombolas’, feita logo que foi publicado, enquanto o 13 faz um comentário sobre ‘A Escrava Isaura’ não registrado pela biografia.

Em resumo, Miscelânea tem a intenção de cativar os leitores comuns na descoberta de novos aspectos da obra de Bernardo Guimarães. “Dirige-se igualmente ao público especializado, favorecendo o acesso a documentação inédita e produções ainda não publicadas em livro”, afirma Maria Francelina.

A semana para celebrar o bicentenário do escritor foi uma realização da Prefeitura de Ouro Preto, da Editora Liberdade e do Atelier Dois Capelistas, com apoio do Museu Casa dos Contos, da Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop) e do Instituto Peck Pinheiro. Os livros são distribuídos pela Prefeitura de Ouro Preto.

COMBATENTE, ESCRITOR E JUIZ


Patrono da cadeira nº 5 da Academia Brasileira de Letras, da cadeira nº 21 do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG) e da de nº 15 da Academia Mineira de Letras, Bernardo Guimarães nasceu em Ouro Preto, em 15 de agosto de 1825, e morreu em 10 de março de 1884, na mesma cidade. Aos 17 anos, em Conselheiro Lafaiete, participou de combates na Revolução Liberal de 1842.

Formou-se na Faculdade de Direito de São Paulo (1847), cidade onde se tornou amigo dos poetas Álvares de Azevedo (1831-1852) e Aureliano Lessa (1828-1861). Os três e outros estudantes fundaram a Sociedade Epicuréia.

O livro mais conhecido do escritor é “A Escrava Isaura”, publicado pela primeira vez em 1875 pela editora do livreiro J.B. Garnier. Narra as agruras de uma jovem que vivia em uma fazenda do Vale do Paraíba (RJ). O romance se tornou novela de sucesso internacional, em 1976 e em 1977, e depois em 2004.

Conforme pesquisa do IHGMG, Bernardo Guimarães foi ainda juiz municipal e de órfãos de Catalão, em Goiás. Exerceu o cargo até 1854. Em 1858, mudou-se para o Rio de Janeiro. Oito anos mais tarde, foi nomeado professor de retórica e poética do Liceu Mineiro, de Ouro Preto.

Entre 1873 e 1879, Bernardo Guimarães lecionou línguas clássicas no antigo liceu de Conselheiro Lafaiete. No período, publicou, além de “A Escrava Isaura” (1874), “Novas Poesias” (1875), “Maurício ou os Paulistas em São João del-Rei” (1876) e “A Ilha Maldita e o Pão de Ouro” (1878).

TRECHOS DOS LIVROS


“ELIXIR DO PAJÉ E OUTROS POEMAS DE HUMOR, SÁTIRA E ESCATOLOGIA”, DE BERNARDO GUIMARÃES

Hino à preguiça
... Viridi projectus in antro...
Virgílio

Meiga Preguiça, velha amiga minha,
Recebe-me em teus braços,
E para o quente, conchegado leito
Vem dirigir meus passos.

Ou, se te apraz, na rede sonolenta,
À sombra do arvoredo,
Vamos dormir ao som d’água, que jorra
Do próximo rochedo.

Mas vamos perto; à orla solitária
De algum bosque vizinho,
Onde haja relva mole, e onde se chegue
Sempre por bom caminho.

Aí, vendo cair uma por uma
As folhas pelo chão,
Pensaremos conosco: — são as horas,
Que aos poucos lá se vão. —

Feita esta reflexão sublime e grave
De sã filosofia,
Em desleixada cisma deixaremos
Vogar a fantasia,

Até que ao doce e tépido mormaço
Do brando sol do outono
Em santa paz possamos quietamente
Conciliar o sono.

Para dormir a sesta às garras fujo
Do ímprobo trabalho,
E venho em teu regaço deleitoso
Buscar doce agasalho.

Caluniam-te muito, amiga minha,
Donzela inofensiva,
Dos pecados mortais te colocando
Na horrenda comitiva.

O que tens de comum com a soberba?... E nem com a cobiça?...
Tu, que às honras e ao ouro dás as costas,
Lhana e santa Preguiça?

Com a pálida inveja macilenta
Em que é que te assemelhas,
Tu, que sempre tranquila, tens as faces
Tão nédias e vermelhas?

Jamais a feroz ira sanguinária
Terás por tua igual,
E é por isso, que aos festins da gula
Não tens ódio mortal.

Com a luxúria sempre dás uns visos,
Porém muito de longe,
Porque também não é do teu programa
Fazer vida de monge.

Quando volves os mal abertos olhos
Em frouxa sonolência,
Que feitiço não tens!... que eflúvios vertes
De mórbida indolência!...

És discreta e calada como a noite;
És carinhosa e meiga,
Como a luz do poente, que à tardinha
Se esbate pela veiga.

Quando apareces, coroada a fronte
De roxas dormideiras,
Longe espancas cuidados importunos,
E agitações fragueiras;

Emudece do ríspido trabalho
A atroadora lida;
Repousa o corpo, o espírito se acalma,
E corre em paz a vida.

Até dos claustros pelas celas reinas
Em ar de santidade,
E no gordo toutiço te entronizas
De rechonchudo abade.

“CARTAS CONSTANÇA GUIMARÃES (1871-1888)”, ORGANIZADO POR ELIANE MARTA TEIXEIRA LOPES

Querida Sinhoca 

Não te assustes mais com a minha molestia, que foi uma cousa atôa: tive uma congestão pulmonar, e bem sabes que essa doença só tem perigo logo que attaca. Já não lanço mais sangue. Lançar sangue, propriamente, foi só duas vezes: uma logo que adoeci e outra no dia em que recebi a tua querida carta, fóra disto só algumas golfadas ou escarros, isso mesmo já ha seis ou sete dias que não tenho mais nada, só uma tosse muito amolladora.

Consultei com Dor Pedro á respeito da minha ida, mas elle disse que uma viagem agora me seria muito prejudicial (á mim não, á minha saúde) só d’aqui á alguns dous mezes, isso me faria muito bem. A Mamãi não disse que não deixava e nem que deixava eu ir, disse só que faria todo o sacrificio possível para eu ser curada.

Perguntastes-me pela Ethelvina: o noivo morreue ella está desesperada, contudo ella não fez nenhum berreiro no dia em que elle morreu, só o que ella fez foi cortar os cabellos e pôr dentro do caixão, cortou quase á escovinha, enfim, cortou quanto poude. Quizerão impedil-a de fazer isso, mas ella disse que tinha prazer em tel-os compridos porque elle achava-os bonitos (e ella os tinha lindos) mas agora que elle não podia ver, levasse consigo... que se ella toda não ia é porque não havião de querer enterral-a viva, mas que em breve havia de ser enterrada morta. Eu acho que ella morre mesmo, desde que o noivo morreu (que ha talvez cinco dias) ella não aceita allimento algum. Disse-me a mulher do 36 que ella está em uma cama, vestida com uma camisa de dormir que foi d’elle, e que não dá uma palavra á ninguem, cumprimenta á todos com um sorriso tão triste q.’ se ella chorasse não comoveria tanto. É muitíssimo infeliz a Ethelvina. A mai e o pai d’ella estão muito tristes com essa resolução, a mai chora, o pai esbraveja, mas ella não atende á cousa nenhuma. Dizem que o pai foi o autor da sua morte, porque os medicos disserão q.’ se elle cazasse saráva, mas o Sr Lopes não quiz, por causa de um miseravel conto de reis q.’ o padrinho deixou para a Ethelvina.


“MISCELÂNEA - NOS PASSOS DE BERNARDO GUIMARÃES”

A Atualidade, Ouro Preto, 1/6/1878
“O tempo tem corrido ingrato e frio por estas montanhas e o vento soprado glacial e arrepiador, circunstância sumamente desfavorável para quem escreve folhetim, poesia ou coisa que o valha. 

Lamartine diz, não me lembro em qual de seus escritos, que a poesia é filha do sol ou do gelo.
Para comprovar este asserto, citava as grandes sumidades épicas: Ossian, Milton, Byron, filhos de climas hiperbóreos das regiões setentrionais, Homero, Virgílio, Tasso e Camões, cisnes dos lagos azuis das risonhas e tépidas regiões meridionais.
Perdoem-me os manes do imortal poeta, não posso compreender a poesia do gelo, principalmente no mês de maio.
Fala-se muito nas rosas de maio, mas posso assegurar que em nossos climas tal mês não é o mais próprio para essas mimosas flores, símbolo da beleza e do prazer efêmero.
O frio gela as lágrimas nos olhos e murcha o sorriso nos lábios; não é próprio, portanto, nem para as rosas nem para os goivos.”

Reprodução/Prefeitura de Ouro Preto e Reprodução/Grupo Editorial Quixote


“MISCELÂNEA - NOS PASSOS DE BERNARDO GUIMARÃES”

 Organização de Maria Francelina Silami Ibrahim Drummond

Editora Liberdade

333 páginas

Obra distribuída pela Prefeitura de Ouro Preto

“ELIXIR DO PAJÉ E OUTROS POEMAS DE HUMOR, SÁTIRA E ESCATOLOGIA”

De Bernardo Guimarães

Grupo Editorial Quixote

168 páginas

R$ 54

“CARTAS CONSTANÇA GUIMARÃES (1871-1888)”

De Constança Guimarães e Eliane Marta Teixeira Lopes (organização)

Grupo Editorial Quixote

144 páginas

R$ 56

Lançamento das duas obras neste sábado (23/8), às 11h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi), em Belo Horizonte

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