'Morrendo de rir': crônicas de Elvira Vigna ganham antologia póstuma
Editora Arquipélago lança uma coletânea de textos da escritora carioca, organizada por Luís Henrique Pellanda, que revela a força crítica e irônica de sua obra
compartilhe
Siga no“Elvira Vigna faz parte de um grupo muito peculiar de escritores contemporâneos, aqueles que escrevem a partir de um desconforto em relação ao gosto, típico nosso, por complexidades barrocas e obscuridades bacharelescas. Ela observa esse viés e, ao longo de sua carreira, tentou implodi-lo.” A afirmação é de Cristhiano Aguiar no prefácio de “Morrendo de rir”, antologia de crônicas da escritora carioca Elvira Vigna (1947-2017) que ganha lançamento da editora Arquipélago. Dividido em duas partes (“Morrendo de rir” e “Cá entre nós”), o livro reúne escritos de Vigna publicados entre 1999 e 2016 no jornal O Estado de S. Paulo e na revista Pessoa.
“Ser cruel nas crônicas foi uma outra maneira de Elvira buscar implodir, dentro da literatura brasileira, a nossa tendência a escrever com boas intenções”, observa Cristhiano. O autor de “Gótico nordestino” garante: “Ler estas crônicas implica em fazer um passeio pela história recente do Brasil.” A seguir, trecho de uma das crônicas e a palavra do organizador da antologia, o também cronista Luís Henrique Pellanda, que conta como nasceu “Morrendo de rir”.
"Precisa sair bem na foto pra ser escritora"
“Numa mesa em Belo Horizonte propuseram o tema ‘Literatura e experiência’. Não, nada sobre a transposição estética de experiências de vida. Experiência era eufemismo de velhice. Era sobre escritora velha, esse horror de todos os editores mundo afora. Mulher não pode ficar velha. Também não pode mandar no próprio corpo e, pra ser escritora, precisa sair bem na foto, conhecer seu lugar (o de ‘nicho’) e fazer charminho para plateia/editor/jornalista. Aliás, mulher também ofende homem se for presidenta da República, né, quer mais o quê.”
(Trecho da crônica ‘Porto Alegre, Vinte e cinco de novembro de 2012’, de Elvira Vigna)
“Humor agressivo, linguagem direta, inteligência afiada e erudita”
Luís Henrique Pellanda
Especial para o EM
No fim da tarde de 31 de dezembro do ano passado, pensando nos livros que eu gostaria de editar em 2025, lembrei de quando a Elvira me contou, há bem mais de uma década, da época em que havia sido cronista do Estadão, na virada do milênio. Perguntei se ela não tinha interesse em publicar suas crônicas em livro, e ela desconversou, como às vezes fazia. Talvez sim, talvez não, ela não tinha mais os arquivos, não sabia se valeria a pena garimpar as colunas.
Era quase ano-novo, mas decidi escrever para a filha da Elvira, a escritora, professora e artista plástica Carolina Vigna, e perguntar se eu poderia ir atrás das crônicas da sua mãe. E ela me autorizou na hora. Falei com o editor da Elvira na revista Pessoa, o escritor Carlos Henrique Schroeder, que havia publicado outra série de crônicas da autora entre os anos de 2015 e 2016, e fui pesquisar seus textos mais antigos no acervo do Estadão.
Reuni cerca de 50 crônicas, cobrindo uma diversidade imensa de assuntos e temas, factuais ou atemporais: literatura e feminismo, arte e filosofia, política brasileira e internacional, memória e família, tudo permeado por três das grandes marcas da escrita de Elvira: o humor agressivo, a inteligência afiada e erudita e uma linguagem direta, clara, que simula o coloquial de forma extremamente sofisticada. Organizar o livro foi, na verdade, fácil e prazeroso. Me emocionei e me diverti intensamente durante os três meses de trabalho que a pesquisa, a transcrição e a edição dos textos me tomaram. E aprendi bastante coisa também. Este livro é um reencontro com uma de nossas maiores artistas, uma cronista cuja voz e ideias tendem a se tornam cada vez mais contundentes.
“Morrendo de rir”
• De Elvira Vigna
• Organização de Luís Henrique Pellanda
• 184 páginas
• Arquipélago Editorial