ENTREVISTA/RAMOM TÁCIO DE OLIVEIRA - Presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG)

"A grande preocupação é impedir que haja difusão da má informação"

Desembargador rechaça cédula de papel em eleição e prioriza combate a fake new

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A necessidade do voto obrigatório, a idoneidade das urnas eletrônicas e os desafios das eleições gerais de 2026 foram os principais temas abordados pelo presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), Ramom Tácio de Oliveira, em entrevista ao EM Minas. O desembargador assumiu o cargo em meados do ano passado e tem como uma das principais metas ampliar a biometria dos eleitores – em Minas Gerais esse percentual está em torno de 64% – e combater fake news no âmbito eleitoral. “A grande preocupação já era e continua sendo impedir que haja difusão da má informação, ou seja, aquela informação que pode viciar a vontade do eleitor”, disse. Ele também falou sobre sua atuação musical, com direito a uma palinha. A íntegra da conversa pode ser assistida a partir do QR Code da página 9.

A última eleição foi no ano passado, enquanto a próxima só será realizada no ano que vem. O senhor devia estar na praia, não? Tem trabalho no TRE-MG nesta época?
Quando terminamos uma eleição, logo em seguida já estamos empenhados para tratar de todos os procedimentos ligados à próxima eleição. Eu até tenho uma vontade enorme de estar lá na praia, mas, em face da nossa atividade muito intensa, estou empenhado já em tratar de todas aquelas ações relacionadas às eleições gerais de 2026. Então, essa questão da praia a gente vai deixar para depois.

Após um pleito, deve haver uma espécie de balanço do que deu certo, se houve algum problema. Que balanço o senhor faz da eleição passada?
Eu posso dizer que nós tivemos um êxito enorme, posso dizer que foi um sucesso. Costumava dizer lá nas eleições municipais que a nossa preocupação central era o eleitor, era proteger o eleitor, era desempenhar ações de forma que o eleitor pudesse dirigir-se às urnas, depositar o seu voto de uma forma isenta, sem vícios, sem nenhum atropelo. Nós fizemos um trabalho preventivo e depois muitas ações para evitar os conflitos, de forma que concluímos que foram eleições vitoriosas. Eu costumava dizer que o eleitor era o nosso pote de ouro. Usei esse chavão para retratar a importância do eleitor, até porque é o eleitor que escolhe o seu governante, o seu administrador. Então, aquilo que o administrador faz vai recair evidentemente no eleitor. A Justiça Eleitoral não para. Quando você conclui um processo, já está preparando ações para o próximo procedimento, que, no caso, são as eleições gerais de 2026.

Qual vai ser o grande foco do TRE-MG na próxima eleição?
Eu digo sempre que as eleições protegem a democracia. Nós temos que propiciar ao eleitor a oportunidade de fazer escolhas livres, sem vícios, sem coação. A grande preocupação do mundo moderno, não só ligadas ao eleitoral, é que a população tome ciência da boa informação. Existe muita preocupação quanto à desinformação, as chamadas fake news.

Essa é uma das principais preocupações do senhor?
Sim, porque os mecanismos de difusão da má informação estão cada dia mais sofisticados. Mas, por outro lado, nós também estamos, não só aquele que defende o mal, mas o que defende o bem, conectados a essa era digital. Temos aí muitos mecanismos viáveis direcionados para coibir o mal. Então, eu acho que a grande preocupação já era e continua sendo impedir que haja difusão da má informação, ou seja, aquela informação que pode viciar a vontade do eleitor.

Um presidente regional pode fazer ações localmente ou sempre deve cumprir uma política nacional?
Os tribunais estão todos conectados. O mundo, aliás, está todo conectado. Nós não temos algo separado, estamos nessa era da globalização. Qualquer coisa que acontece em qualquer parte do mundo respinga em qualquer um de nós em qualquer canto do mundo. Então, nós temos toda uma conexão entre todos os tribunais. É lógico, nas eleições gerais, o comando central vem lá de Brasília, do Tribunal Superior Eleitoral, mas ele está conectado conosco. E todos os tribunais, evidentemente, vão dar também as suas contribuições que vão chegar ao comando geral, que é o TSE, para que medidas sejam tomadas e que coíbam essa possibilidade de espalhamento dessa má informação.

O senhor está muito preocupado em avançar no cadastro da biometria junto aos eleitores.
Exato. O eleitor é o nosso pote de ouro. Como  estamos nessa era tecnológica, nessa era digital, o eleitor tem todo o direito de chegar à sua sessão de votação de uma forma mais rápida, sem atropelos. Então, a biometrizacão é uma das nossas grandes preocupações. Em Minas Gerais, temos cerca de 63%, 64% de eleitores biometrizados.

Isso é um índice bom ou ainda é baixo?
É razoável, mas a meta é que possamos biometrizar todos os eleitores. Passadas as eleições municipais, estamos avançando com esse trabalho para que todos os municípios tenham unidades que possam coletar a biometria dos eleitores, mesmo aqueles que não sejam sedes das zonas eleitorais, dos cartórios eleitorais. Estamos avançando para colocar essas unidades de atendimento ao eleitor em todos os 853 municípios mineiros. Isso evidentemente vai facilitar o voto, vai propiciar condições melhores, mais rápidas ao eleitor. Estamos trabalhando muito em cima disso.

Dados do Observatório Nacional da Mulher na Política mostram que Minas Gerais é um dos estados com o pior cumprimento da cota de gênero no Brasil. Como o senhor pensa em atuar para coibir essa prática?
Em 2014, se não me falha a memória, tivemos uma grande abstenção da participação das mulheres nas eleições, um percentual muito pequeno de mulheres foram eleitas naquela ocasião. Esse quadro, infelizmente, ainda persiste e, por incrível que pareça, a maior parte do nosso eleitorado é composto por mulheres. É lógico que isso demanda um trabalho de avanços, trabalho cultural, maior esclarecimento quanto à cidadania e sua importância para a democracia. Eu vejo a mulher como essencial, até porque ela é maioria dos eleitores. É preciso que as pessoas, de um modo geral, sintam a importância das eleições para a sobrevivência da democracia. É preciso que as pessoas tenham uma ideia do papel que elas devem desempenhar no espaço comum. É preciso que haja esse engajamento da mulher e das pessoas de um modo geral, quanto à importância das eleições, quanto à importância de trabalharmos em prol da construção do país.

Recentemente houve o caso de um vereador cassado em Minas Gerais por fraude à cota de gênero? O TRE recebe muitas denúncias?
Nessas eleições municipais, falamos muito desse assunto pelos quatro cantos do estado, em visitas e em divulgações do TRE-MG. Por quê? Porque esse tipo de fraude atropela a democracia, viola a cidadania, ofusca nosso ir e vir. O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais tem sido um cumpridor exato dessa questão. Violou o percentual de 30% de participação da mulher nos partidos? Sem qualquer dúvida aquela chapa vai ser cassada, a eleição será invalidada e convocadas novas eleições.

E se algum candidato se elegeu dessa forma? Perde o mandato?
Cai a chapa, não tem conversa. Tanto o TRE como o TSE nos recursos têm observado muito essa questão, ou seja, o cumprimento daquela cota. Por quê? Nós temos que colocar a mulher no cenário político, porque ela inclusive é maioria. Belo Horizonte, nesta última eleição, elegeu a maior bancada feminina da história. Tem esse lado positivo. Estamos vendo que esse trabalho ligado à cidadania está crescendo. A gente espera que nas próximas eleições esse movimento ganhe um engajamento ainda maior, a mulher tem que estar presente porque é maioria.

Na sua posse, o senhor fez uma defesa bem forte da urna eletrônica. Nos últimos dias, o senador Carlos Viana voltou a defender a volta do voto impresso, uma espécie de voto misto, com a urna eletrônica, mas também com a possibilidade do voto impresso. Como é que o senhor analisa essa posição?
Eu lembro que em 1994 tivemos um movimento para a implantação das urnas eletrônicas. Mas a eleição manual deste ano no Rio de Janeiro foi anulada porque havia vício de votação, inclusive o chamado “voto formiguinha”. A eleição foi viciada por ser uma eleição feita em cédulas de papel. Acho um atraso enorme a gente voltar à cultura do papel. Eu participei de várias eleições no município, vi que a possibilidade de fraudar cédulas de papel é enorme. Nas urnas eletrônicas, até então, ninguém nunca constatou qualquer vício, qualquer anomalia, não existe nada comprovado que possa desautorizar esse tipo de urna. Por que vamos então retroagir?  Não faz sentido!

Qual a sua opinião sobre o voto obrigatório? ainda acha isso essencial no Brasil ou já podemos começar a pensar nessa mudança?
Isso tudo tem ligação com o avanço cultural. Por enquanto, sou um defensor da obrigatoriedade do voto porque somos um país ainda muito jovem, que está demandando muito esclarecimento, muita implantação de cultura nos seus quatro cantos. Eu penso que, se o voto não for obrigatório, no atual estágio de cultura isso pode comprometer demais a representatividade política.

O ministro Luís Roberto Barroso defendeu recentemente a mudança do presidencialismo para um modelo de semipresidencialismo, com voto distrital. Qual é a sua opinião?
É uma discussão bem interessante. Temos os adeptos dessa construção, sobre até o fundamento, como o do Luís Roberto Barroso, de uma possibilidade melhor de representatividade, de uma possibilidade maior de fortalecimento partidário. Mas, por outro lado, temos também uma cultura do presidencialismo. É um assunto ainda que está sendo bem discutido. O ministro Barroso é de uma formação muito elevada e tem argumentos fortes. Eu acredito que aquela justificativa dele é bem aceitável porque abre um espaço maior para que tenhamos uma representatividade mais forte, mais condizente com os anseios da população.

Isso teria que ser feito via referendo? Porque essa proposta já foi rejeitada outras vezes.
Acredito que seria um referendo porque teria que ter uma mudança em preceitos sólidos da nossa Constituição.

Falando em consulta popular, o governo de Minas enviou projeto de privatização da Cemig e da Copasa para a Assembleia Legislativa. e um projeto, juntamente com esse outro, para retirar a necessidade de um referendo. O governo argumenta que seria inviável fazer essa consulta fora das eleições. Se fosse o caso, isso custaria muito caro para o TRE-MG? É possível fazer um referendo fora das eleições?
Eu acredito que teria que ser levado à população através do referendo feito em conjunto com as eleições. No caso, até eu penso que seria não em eleições gerais, talvez em eleições municipais. A outra via seria a possibilidade de uma mudança parlamentar nessa exigência da Constituição estadual ligada à necessidade do referendo. Aí já vai depender do parlamento mineiro, aprovar ou não a exclusão desse artigo na nossa Constituição. Isso demanda, se não me falha a memória, cerca de aprovação dos 49 deputados da nossa Assembleia Legislativa.

O senhor é um entusiasta da música, não é? O senhor toca violão desde pequeno?
Desde cedo. Desde criança eu gostava de brincar com o violão, fazer serenatas lá na minha terra.

E depois virou advogado e desembargador…
Eu advoguei e depois segui a vida pública. Fui advogado, fui promotor de Justiça, juiz… Passei em um concurso de juiz federal, mas preferi ficar aqui na nossa Justiça estadual, onde fiz a minha carreira, cheguei a desembargador e também ao TRE, que fui eleito para isso. Tem a vida acadêmica também, como professor universitário. Sou mestre, sou doutor em direito, tenho livros publicados, artigos.

E ainda encontra tempo para compor suas músicas.
Exato, gosto muito de filosofia e literatura. Meu lazer tem conexão muito grande com essa questão, tanto da música como da filosofia. E pensei comigo: “às vezes, fico escrevendo livros, escrevendo esses textos longos, vou arrumar uma forma de tentar passar para o meu leitor algo de um modo mais simples e de um modo melodizado”. Daí, então, a ideia de fazer essas composições, com esses textos mais curtos, levando alguma ideia ligada à democracia, à inclusão social, à importância do bem-estar, à importância do sorriso, da conversa entre as pessoas, do dia a dia. (Pedro Cerqueira)

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