OSCAR REPERCUTE

Na política e na folia, 'Ainda estou aqui' inflama coro contra anistia

Filme que recorda o impacto de um regime ditatorial sem punições é combustível para que a história não se repita a partir do perdão de quem, novamente, atentou

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Até o último domingo (2/3), a repercussão sobre o filme “Ainda estou aqui” se dividiu entre a mensagem política da produção e a expectativa para a noite do Oscar, que acabou por render ao longa-metragem a estatueta de melhor lançamento internacional e colocar Fernanda Torres entre as indicadas para melhor atriz principal.

Passada a festa e a comemoração pelo reconhecimento, em pleno carnaval, o impacto da película dirigida por Walter Salles não dá indícios de arrefecimento ou de ressaca. Com a premiação já fora do horizonte, a dimensão politizada da obra foi recrudescida e o diálogo entre a ditadura militar e o momento atual do Brasil ganhou destaque entre políticos e foliões traduzida na expressão “sem anistia”.

O filme, baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, narra a história de Eunice Paiva, mãe do autor e viúva de Rubens Paiva, ex-deputado federal brasileiro. O ex-parlamentar foi cassado pela ditadura e, posteriormente, preso, torturado e morto pelo regime. A narrativa aproximada da dor experimentada por centenas de famílias de vítimas do autoritarismo explicita também a angústia de não ter, pelo estado brasileiro, uma conclusão digna para os crimes cometidos durante o governo de exceção. Em boa parte, a sensação de injustiça se deu pelo processo de anistia ampla, geral e irrestrita que jamais colocou os ditadores e militares torturadores no banco dos réus.

Hoje, mais de seis décadas após o golpe que instaurou a ditadura militar brasileira, há um processo aberto na Justiça para investigar o envolvimento das Forças Armadas em mais uma tentativa de Golpe de Estado, este, por sua vez, mal sucedido em sua tentativa de manter Jair Bolsonaro (PL) na Presidência da República. Centenas de civis que se envolveram na trama ao participar dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 na Praça dos Três Poderes, em Brasília, já foram condenados e presos. É sobre estes atores, incluindo o ex-presidente, que a polarização em que a política brasileira hoje se debruça e divide o país entre os que defendem o perdão e os que gritam pela rejeição da ideia de anistia.

Sem perder tempo para embarcar na discussão,tão logo “Ainda estou aqui” foi premiado como melhor filme internacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se pronunciou parabenizando os envolvidos na produção. O petista emendou as congratulações em um discurso sobre a luta contra o autoritarismo.

“Hoje é o dia de sentir ainda mais orgulho de ser brasileiro. Orgulho do nosso cinema, dos nossos artistas e, principalmente, orgulho da nossa democracia. Eu e Janja estamos muito felizes assistindo tudo ao vivo [...] O Oscar de Melhor Filme Internacional para ‘Ainda Estou Aqui’ é o reconhecimento do trabalho de Walter Salles e toda equipe, de Fernanda Torres e Fernanda Montenegro, Selton Mello, do Marcelo Rubens Paiva e família e todos os envolvidos nessa extraordinária obra que mostrou ao Brasil e ao mundo a importância da luta contra o autoritarismo. Parabéns! Viva o cinema brasileiro, viva ‘Ainda Estou Aqui’”, disse Lula nas redes sociais.

A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) também se manifestou sobre o filme e destacou sua dimensão política. Presa e torturada durante o regime, a petista foi responsável por, em seu governo, iniciar os trabalhos de rememorar os arquivos oficiais do período militar no Brasil. 

“Nossa emoção é ainda maior porque a premiação celebra uma obra que presta tributo à civilização, à humanidade e aos brasileiros que sofreram com a extinção das liberdades democráticas, lutando contra a ditadura militar. É motivo de orgulho saber que a história de Rubens Paiva e de sua família — especialmente a busca incansável de Eunice Paiva pela verdade e pela justiça — pôde ser contada graças ao trabalho da Comissão Nacional da Verdade, que criei durante meu governo para investigar os crimes da ditadura”, escreveu Dilma em seu perfil no X.

Os petistas com passagem pelo Planalto foram repetidos por diversas outras figuras do campo progressista do país. Ainda que nomes mais ao centro e centro-direita tenham se manifestado, coube à esquerda a associação do prêmio ao mote da negação da anistia aos militares e manifestantes bolsonaristas.

Folia politizada

Entre os desfiles cariocas, nos trios baianos, no Galo da Madrugada pernambucano ou nas dezenas de blocos que lotam as ruas de Belo Horizonte, o lema ‘sem anistia’ tornou-se um amalgamador da folia pelo país. Na capital mineira, a segunda-feira pós-Oscar marcou uma substituição alegórica: ficam em casa as fantasias e cartazes de torcida por Fernanda Torres no Oscar e saem às ruas os pedidos de punição a quem atentou contra a democracia brasileira.

No Bairro Floresta, Leste de BH, a Corte Devassa manteve sua tradição de ironizar com bom-humor a cultura das monarquias europeias e, na esteira da sátira aos colonizadores, arrastou os foliões aos gritos contra Jair Bolsonaro e pedindo punição aos participantes de ataques à democracia, como os atos de 8 de janeiro.

Os gritos ecoaram até a Avenida Brasil, Centro-Sul da capital, onde o bloco  “Não me Entrego Para os Caretas, da banda Lamparina, emendou o coro da luta antimanicomial com o pedido de prisão de Jair Bolsonaro. O ex-presidente brasileiro foi indiciado pela Procuradoria Geral da República (PGR) e pode ser tornar réu por tentativa de Golpe de Estado ao tentar permanecer no cargo à revelia da derrota eleitoral em 2022.

Embora as manifestações políticas se multiplicassem em quase todos os blocos, coube ao “Sou Vermelho” realizar as ações mais ostensivas neste sentido. No Centro de BH, os foliões tingiram as ruas de vermelho e, aos gritos de ‘sem anistia’, encenaram a prisão de Bolsonaro ao colocar um boneco representando o ex-presidente atrás das grades. O cortejo contou ainda com a presença de políticos do Partido dos Trabalhadores (PT), como o deputado federal Rogério Correia e o vereador Bruno Pedralva. 


* Com informações de: Denys Lacerda, Larissa Figueiredo e Mariana Costa

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