“A política nos últimos anos tem dado mais radicalismo e extremismo. Eu, pessoalmente, não gosto. Foi esse um dos motivos que me fizeram largar a vida político-partidária e seguir para o Tribunal de Contas da União”. A avaliação é do ministro Antonio Anastasia, em entrevista ao EM Minas. Vice-governador de Minas entre 2007 e 2010 e governador entre 2011 e 2014, Anastasia, que está no TCU desde 2022, diz também que não pretende voltar para a política partidária, seu objetivo é permanecer na corte até a aposentadoria compulsória, aos 75 anos. Hoje, aos 64 anos, ele afirma: “Não não há menor possibilidade de voltar ao mundo político-partidário porque acho que já fiz a minha contribuição. Quero continuar dando aula, se tiver saúde e Deus permitir”.
Durante a entrevista, Anastasia declarou seu amor por Minas Gerais, falou sobre mineiridade, culinária, família e infância. “Sempre defendi a moderação e a serenidade, que, aliás, são a tradição de nós mineiros. A nossa consciência, a nossa cultura, é nessa linha, a linha da conciliação, de dialogar, de identificar pontos em comum”, ressalta. A seguir, a entrevista concedida por Anastasia.
O que o levou a ministro do Tribunal de Contas da União?
A gente tenta planejar a vida, mas nunca sai como a gente imagina. Confesso que, na faculdade, sempre gostei muito de direito público, direito administrativo, fiz mestrado, fui ser professor dessa disciplina e fui trabalhar na administração pública. Mas, eu não imaginava entrar no mundo político-partidário. A minha função sempre foi política, porque eu ocupava cargos da administração, mas nunca eleito e nunca fui membro de partido. Depois de ter ocupado várias funções nos governos do estado e da União, o então governador Aécio Neves me convidou para ser candidato a vice-governador. Eu era secretário em seu primeiro mandato e aí entrei na vida política. E a vida política acabou me levando, depois de exercer o cargo de vice-governador, o governo de Minas e o Senado, os meus colegas senadores me elegeram para o TCU.
O senhor falou da administração pública, que essa trajetória o levou a cargos políticos. Eu ouvi uma frase do senhor dizendo que político todos nós somos. Por que isso?
Eu gosto muito dessa frase. Na verdade é de Aristóteles: “O homem é um animal político”. Até para ser o síndico de um condomínio, para administrar um prédio de três andares, você tem que ser político, ou seja, tem que saber lidar com as situações. Então, todos nós somos políticos na nossa vida pessoal, cotidiana. O que acontece é que há um desdobramento na política partidária, quando você se candidata e se submete à vontade das urnas.
Uma fala mansa, sempre a favor do diálogo, são algumas das suas características. O senhor sempre foi assim?
Sim, eu sempre tive um estilo moderado. Eu acredito sempre que a virtude está no meio, como diziam os antigos gregos e romanos. Sempre defendi a moderação e a serenidade, que, aliás, é a tradição de nós mineiros. A nossa consciência, a nossa cultura, é nessa linha, a linha da conciliação, de dialogar, de identificar pontos em comum. Infelizmente, a política nos últimos anos tem dado mais radicalismo e extremismo. Eu, pessoalmente, não gosto. Foi esse um dos motivos que me fizeram largar a vida político-partidária e seguir para o Tribunal de Contas da União, que é uma função também política, não partidária, mas que me deixa um pouco alheio a essa questão.
O senhor é um dos homens mais cultos que temos hoje em Minas Gerais e no Brasil. Como foi a sua infância?
Fui uma criança normal. Eu tinha uma dedicação muito grande à leitura, com uma família de servidores públicos, minha mãe professora, minha avó professora, minhas irmãs foram professoras universitárias também. Eu tive desde cedo uma mania de leitura. Meu pai era comerciante, não era do ramo do ensino, mas adorava cultura geral, comprava enciclopédias. Naquele tempo nós tínhamos a Barsa, a Delta-Larousse. Sempre gostei de história, geografia e, depois, quando fui fazer Direito, eu gostava de acompanhar questões políticas também. Mas eu também sempre fui muito organizado, o que me ajudou na vida administrativa. Era uma criança bem comportada, naquele tempo chamava “Caxias”, que era um bom aluno.
Mas tinha alguma brincadeira? Tinha uma parte lúdica também?
Eu fiz hipismo durante muitos anos, gostava muito de cavalgar. Competia em provas hípicas. Depois, estudei também um pouco as línguas, cogitava fazer diplomacia, cheguei a cogitar isso antes de entrar na faculdade.
Quando entrou na faculdade, qual era o seu plano inicial?
No primeiro momento, cogitei fazer diplomacia. Depois eu gostei tanto de Direito, falei: “Vou ser magistrado, juiz”. Mas eu gostei mais de Direito Administrativo, que era da administração pública. Nesse momento, todos nós temos a influência de grandes professores. E eu tive um professor de Direito Administrativo que me influenciou muito, o professor Paulo Neves de Carvalho, a quem demos o nome da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, que foi um grande mestre, não só meu, como de uma geração de mineiros, professores, juristas e advogados. Esse homem me inspirou tanto, que me seduziu para o Direito Administrativo. Eu fui abduzido. Então, juntamente com o professor Vicente Paulo Mendes, que era o seu discípulo e meu professor, eu acabei seguindo o caminho da administração pública.
Morando atualmente em Brasília, o senhor continua dando aula, embora esteja afastado da UFMG?
Continuo. Eu me afastei da UFMG exatamente pela questão física. Mas eu dou aulas em Brasília na Fundação Getulio Vargas, também no IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa) e dou aula em Minas esporadicamente, quando venho fazer palestras, quer na Unipac de Barbacena ou na Imepac de Araguari.
Apesar de dar aulas para cursos de Direito, o senhor falou que não se imaginou como advogado. Isso também tem a ver com as suas características?
Eu me permito aqui uma confidência: eu nunca poderia ser advogado, eu não sei cobrar honorários. Eu tenho constrangimento. Sempre tive esse problema, que não é só meu. O próprio professor Paulo Neves, que eu mencionei, também tinha essa. Mas um bom advogado, eu defendo isso, tem que saber valorizar o seu trabalho. Mas eu tenho esse constrangimento. Ser servidor público para mim foi mais confortável.
E os advogados também vão para o lado do litígio em alguns momentos…
O advogado é formado para isso, e é uma crítica que faço. Aprendemos muito nas faculdades de Direito exatamente o litígio. Nós estudamos pouco o consenso, e eu defendo muito o consenso. Aliás, nos dias de hoje vale o consensualismo.
Dentro do TCU, como é o consensualismo?
Isso é uma coisa moderna, recente. O Tribunal de Contas da União criou um sistema de consensualismo que está muito em voga em Brasília. Nós convocamos temas que são muito espinhosos e o tribunal estabelece ali uma conciliação. Se essa conciliação avança e o interesse público naquele resultado é atendido, o tribunal homologa aquele acordo. É um procedimento gratuito e rápido que está fazendo grande efeito em grandes causas de interesse nacional.
Voltando para Minas Gerais, o senhor acha que essa deve ser a característica do Tribunal de Contas do Estado?
O Tribunal de Contas da União é um pouco desconhecido, como os tribunais de contas estaduais também. Nós somos um órgão constitucional independente, mas vinculados ao Poder Legislativo e não ao Judiciário, apesar de nos chamarmos tribunal. Nós temos a função de julgar as contas e ver se está havendo boa aplicação dos recursos públicos e se o serviço público está funcionando, a chamada auditoria operacional. Mesma coisa para os tribunais de contas dos estados. Só que não existe hierarquia. Qual é a diferença? Nós cuidamos das verbas federais, enquanto os tribunais de contas dos estados cuidam das verbas dos estados e dos municípios. Quando a União passa verbas para municípios e estados, função nossa. Quando é dinheiro só do estado e do município, fica só com o Tribunal de Contas estadual. Mas há um relacionamento muito estreito. Nós temos institutos, como o Instituto Rui Barbosa, a Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil), que reúnem e fazem um intercâmbio muito feliz desses tribunais. É um momento muito feliz do chamado sistema do controle externo porque nós estamos tendo uma grande repercussão internacional. O TCU hoje preside uma organização internacional chamada Intosai (Organização Internacional das Entidades Fiscalizadoras Superiores), que congrega todas as auditorias do mundo, órgãos tipo o TCU, e fomos eleitos para auditar as contas das Nações Unidas.
O senhor tem algum plano dentro da política?
Não, agora os meus planos já estão definidos. Minha função é vitalícia, ou seja, vou até os 75 anos, que é a idade da aposentadoria compulsória. Ainda faltam 11. De acordo com a regra, eu devo ser o presidente do tribunal daqui a cinco anos e depois continuarei lá até me aposentar. Então, não não há menor possibilidade de voltar ao mundo político-partidário porque acho que já fiz a minha contribuição. Mesmo assim quero continuar dando aula, se tiver saúde e Deus permitir.
O senhor pretende voltar para Minas Gerais?
Eu acho que a mineiridade está bem entranhada em mim. Eu me considero um mineiro bem típico. Apesar de ter nascido em Belo Horizonte, não no interior do estado, minha mãe é do Sul de Minas, meu pai já nasceu aqui, era filho de um imigrante italiano. Mas eu tenho um grande orgulho de ser mineiro, um orgulho imenso de ter sido eleito governador do estado, senador por Minas Gerais, ter trabalhado pelo estado e minha casa é aqui. Hoje, moro em Brasília em razão da minha função, que é uma cidade de mineiros também. Quase metade da população é oriunda de Minas Gerais. Tem muita mineiridade, não só por Juscelino, mas pelos que foram para lá. Mas Belo Horizonte é a minha casa.
E qual é a melhor característica dos mineiros?
Eu acho que o mineiro é sagaz. Eu acho que nós temos a sagacidade, que é o que alguns chamam de “mineirice” no sentido negativo, mas não é. O que é a mineiridade, o que é essa sagacidade? É o conhecimento da sua identidade, da sua história, da sua tradição, da percepção do ambiente. O mineiro chega no local e mapeia calado. Ele percebe o que está acontecendo sem precisar falar nada, sabe quem é o quê, o que tem de fazer, o que não deve falar. Essa esperteza é uma coisa muito típica do mineiro, que fica calado para não passar nenhum tipo de atestado de um lado ou de outro, mas que está plenamente ciente da situação.
O senhor é do dia 9 de maio, e, como taurino, tem muita ligação com nossa culinária?
Eu tenho tenho vinculação absoluta porque, além de tudo, eu sou esganado e guloso. Quando eu era governador, recebia as delegações das cidades do interior e as pessoas sabiam que eu gostava de comida. Então, vinham cada qual com a sua especialidade. Era uma delícia, porque eu sabia de cada cidade o que havia de mais gostoso, o que era mais típico daquela cidade, especialmente em termos de doce ou salgadinhos, que eu gosto muito dessas coisas: as empadinhas de Abaeté, o pé de moleque de Piranguinho, o pudim de Cláudio, o rocambole de Lagoa Dourada, os canudinhos de Santa Luzia.
Fale sobre as viagens pelo TCU.
São de dois tipos. O caso interno no Brasil, nós fazemos as viagens porque nós tentamos uniformizar um um pouco os procedimentos, os entendimentos da jurisprudência dos tribunais de contas. Como não há subordinação, quanto mais nos uniformizarmos, melhor será. Do contrário, Minas resolve A, Bahia resolve B, Ceará resolve C. Então, é um trabalho prévio para isso, feito pelo Instituto Rui Barbosa, que congrega os tribunais, e a Atricon, que é a Associação dos Tribunais. Essas visitas nos estados têm essa missão de trocar impressões, diálogo, conversar com os conselheiros, com plena autonomia que todos temos, para tentar identificar pontos e projetos em comum. No exterior, o objetivo principal desse organismo é fixar padrões de funcionamento das auditorias. Uma auditoria não sai do zero, ela é feita com critérios técnicos muito rígidos, que são aprovados por esse órgão que é chamado de Intosai. São grupos técnicos que realizam reuniões periodicamente e definem como cada auditoria deve ser feita.
O senhor é descendente de italianos. Por que torce para o Atlético e não para o Cruzeiro?
Eu sou a única pessoa no Brasil que tem o Galo de Prata, honraria dada aos atleticanos, e o Raposão de Ouro, dado aos cruzeirenses. Meu avô foi dos primeiros italianos em Belo Horizonte, foi uma pessoa do seu tempo, um líder empresarial conhecido aqui, e foi um dos fundadores do Palestra Itália. Aí, veio a Segunda Guerra Mundial. Na Segunda Guerra, o meu avô foi preso, acusado, claro que injustamente, de ser um chefe da chamada Quinta Coluna, como se houvesse espionagem italiana em Minas Gerais. E o Palestra fechou as portas, queimaram a bandeira da Itália e meu pai, vendo aquilo tudo, um rapaz jovem, ficou obviamente com ódio daquilo. A casa do meu avô era na Rua Santa Catarina, que dava as costas para o Estádio de Lourdes, que é onde hoje fica o Diamond Mall, que era o estádio do Atlético. Então, meu pai deixou de ser palestrino, nunca foi cruzeirense, e se transformou em atleticano. E eu puxei dele o grande amor pelo Atlético. Muitos italianos fizeram essa mesma trajetória. O Zezé Perrella, que foi presidente do Cruzeiro, me deu o Raposão de Ouro em homenagem ao meu avô, já falecido. Mas eu respeito muito o Cruzeiro, apesar de sermos adversários. Quando fui governador, em 2013, o Atlético ganhou a Libertadores e eu recebi o time na Cidade Administrativa. Um mês depois, o Cruzeiro ganhou o Campeonato Brasileiro e eu tive que receber também, sendo que, na vez do Atlético, eu vesti a camisa, aquela coisa toda. Aí chegou lá o pessoal do Cruzeiro com a camisa para eu vestir. Eu falei: "Ó, eu pego a camisa, ganho, fico muito honrado. Mas, vestir, meu pai está no céu, não vou vestir de jeito nenhum”. Peguei, tirei retrato com a camisa, mas vestir… No dia seguinte, o Kalil, então presidente do Atlético, me mandou uma caixa fechada onde estava escrito assim: “Governador, para o senhor usar naquilo que ganhou”. Quando eu abro, era um isqueiro.
“Sempre defendi a moderação e a serenidade, que, aliás, são a tradição de nós
mineiros. A nossa consciência, a nossa cultura, é nessa linha, a linha da
conciliação, de dialogar, de identificar pontos em comum”
“Eu gosto muito desta frase. Na verdade, é de Aristóteles: 'O homem é um animal político'. Até para ser síndico, para administrar um prédio de três andares, você tem que ser político, ou seja, tem que saber lidar com as situações”