O vice-presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG), conselheiro Agostinho Patrus, concedeu entrevista ao programa EM Minas, da TV Alterosa em parceria com o jornal Estado de Minas, e falou sobre o novo papel da Corte no estado. Patrus destacou a transformação da instituição, que antes tinha um perfil mais punitivista e hoje atua também como conciliadora: “Se temos pouco recurso, ele tem que ser bem usado”, afirmou, reforçando a importância da eficiência na aplicação do dinheiro público.
Durante o bate-papo, o conselheiro explicou como o Tribunal de Contas tem mediado conflitos e promovido conciliações em projetos estratégicos, como a conclusão do Hospital de São Felipe Antônio e a negociação de restos a pagar do Estado, que somam bilhões de reais. Ele também abordou a atuação da Corte em questões de infraestrutura, incluindo a discussão sobre pedágios proporcionais na região metropolitana e melhorias na MG-30, defendendo soluções justas e tecnológicas, como o sistema de cobrança automática free flow.
Patrus ainda falou sobre sua trajetória política e familiar, destacando o legado de seu pai, Agostinho Patrus, e o aprendizado adquirido na vida pública: “Essa sensação é que move a gente: ‘Puxa, vida, conseguimos resolver um problema que atingia algumas crianças e uma família’”, recordou.
Há algumas décadas, o Tribunal de Contas era uma instituição pesada, de conselheiros mais velhos. Agora, vemos um jovem como o senhor, vice-presidente da Corte e coordenando uma mesa de conciliação de uma instituição que antes só punia, só fiscalizava. Agora, o Tribunal de Contas também concilia?
Nós, no tribunal, temos uma história de 90 anos. Uma história muito bonita que foi feita e construída por vários conselheiros, por servidores e, claro, foi se moldando ao longo dos tempos. O tribunal era um pouco do final da carreira daqueles que passavam pela vida pública, que tinham outras atribuições e lá tinham um caminho no fim da sua vida. O que nós vimos é que isso está se transformando. Na Assembleia, também, os nomes que estão cotados para substituir os conselheiros que se aposentaram, são todos de deputados jovens. Eu acho que isso é um pouco o reflexo de um novo momento que a gente vive no Brasil. Nós temos governadores mais novos, temos prefeitos cada vez mais novos, deputados na Assembleia, na Câmara Federal... É um novo momento de entrada da vida pública.
O que levou o Tribunal de Contas a se apresentar hoje para a sociedade como conciliador? O senhor mesmo anunciou, há cerca de uma semana, a questão da conciliação do Hospital de Téofilo Otoni para conclusão. Qual é esse papel do tribunal?
É um novo momento que vimos há cerca de um ano e meio. Antes da posse do conselheiro Durval como presidente do tribunal, e eu o vice-presidente. Nós nos dedicamos a conhecer um pouco mais dos outros tribunais Brasil afora, além do Tribunal de Contas da União. Estivemos em Brasília e em São Paulo, onde o Tribunal de Contas do município também faz um trabalho importante nessa área de conciliação. Na região Centro-Oeste, tribunais também já trabalham com a conciliação, e o TCU tem uma atuação muito significativa nessa questão. Então, resolvemos que, assim que fossemos empossados, iniciaríamos uma mesa de conciliação. Mudando essa visão, como você colocou muito bem, simplesmente punitivista, para sentar junto à mesa e tentar uma solução de forma conjunta.
Já havia essa previsão legal de conciliação dentro da legislação do Tribunal de Contas?
Não, essa foi uma iniciativa do presidente Durval Ângelo, que instituiu essa mesa, que delimitou sua atuação. Criamos um esboço dentro dessa experiência que contei de um ano e meio antes da posse. Visitando, conhecendo e aperfeiçoando o que enxergamos em cada um dos locais, vendo quais eram as dificuldades e os pontos positivos para que a gente pudesse avançar nessa questão.
Na questão do Hospital de Teófilo Otoni, quem o senhor chamou para conversar? Como é que funcionou isso? E de onde veio o dinheiro?
Na realidade, já existe um processo no tribunal, e as partes solicitam a conciliação. A iniciativa não parte do tribunal, vem das partes. Ou seja, nesse caso, o governo do estado e o Instituto Mário Penna, que foi o ente que ganhou a licitação para poder operar o hospital de Teófilo Otoni, nos solicitaram a mesa de conciliação. Então, sentamos à mesa para intermediar os entendimentos entre o governo do estado e o Mário Penna, o que resultou no maior hospital público do interior de Minas. A perspectiva é que, no início, tenha 432 leitos, além de toda a questão de CTI, de UTI… É uma estrutura espetacular que já está praticamente pronta, mas que dependia das modificações que precisavam ser feitas, porque, como é um projeto de construção antigo, de mais de 15 anos, os equipamentos foram se modificando. Tinha equipamentos chumbados no chão e eles passaram a ser colocados no teto, e não havia adequação para isso. Então, o Instituto Mário Penna vai fazer essas pequenas reformas e instalar os novos equipamentos que serão comprados. Foi um acordo de cerca de R$ 130 milhões que serão transferidos do estado para o hospital, utilizando os recursos.
O senhor é de uma família de políticos muito hábeis e famosos. Memória do seu saudoso pai, Agostinho Patrus, e o senhor também teve um trabalho muito destacado na Assembleia Legislativa. Estou esquecido ou o senhor não tinha uma ‘discussãozinha’ com o governo do estado sobre esse hospital?
Tinha, sim. Na política, a gente vive diversos momentos. Eu, quando fui eleito deputado no meu primeiro mandato, depois fui convidado pelo governador para ser secretário de Desenvolvimento Social. Então, tirei aquelas vestes de deputado para vestir o papel de gestor da área social em Minas Gerais, cuidando da área de trabalho, emprego, renda, de toda a parte social. E quando eu era presidente da Assembleia, representava os 76 parlamentares, era também eleito por um número grande de eleitores e precisava representá-los. Agora, a política está distante. Eu não sou mais filiado a partido político nenhum. Estou no Tribunal de Contas buscando o melhor gasto do recurso público. Muitas vezes, a gente escuta: “Falta dinheiro para isso, falta dinheiro para aquilo.” É importante que o Tribunal de Contas tenha uma atuação principalmente na qualidade do gasto público. Se temos pouco recurso, ele tem que ser bem usado. Nós não podemos simplesmente falar: “Olha, gastou tantos porcentos disso, porque era o mínimo que estava previsto na lei.” Não, tem que gastar com qualidade. Como estão os indicadores? A política de saúde é positiva? Diminuiu a mortalidade infantil? Melhorou a expectativa de vida? Os alunos estão bem na escola? Conseguem ler, escrever, multiplicar, dividir, somar? Isso que é importante. E é isso que a gente passa a fazer no tribunal. Então, ficam para trás as divergências, que são da política. O ministro Anastasia passou por este quadro e falou sobre esse novo momento. Ele, que esteve muitas vezes envolvido na questão política, e a gente vive um novo momento. Um pouco distante da política, mas preocupado com a execução dos gastos, com o dinheiro público sendo bem usado.
Há alguns anos, o TCE também faz prevenção junto aos gestores, principalmente os prefeitos pequenos, que erram sem saber, efetuam despesas desconhecendo, sem saber o que podem ou não podem.
Isso é fundamental. Nós temos uma escola de contas no tribunal, até para qualificar. Muitas vezes, o município é pequeno, mas isso também acontece em cidades maiores. Nós estamos vendo exemplos de problemas em grandes municípios, de má prestação de contas, dificuldade com os processos licitatórios... Imagina naquelas cidades que têm uma estrutura menor, um número menor de servidores. O funcionário faz a licitação, confere os produtos que estão chegando, os distribui dentro do município. Então, é fundamental formar também esses gestores e essas pessoas que dão o suporte aos prefeitos e à Câmara Municipal. Nós somos, em Minas, o maior Tribunal de Contas do Brasil. Temos mais jurisdicionados do que o próprio TCU, porque nós temos 853 municípios, mais as Câmaras Municipais, mais as escolas. Temos um trabalho muito grande e, dentro desse trabalho, está a conscientização, a formação, a preparação. Nosso intuito não é punir. Nosso intuito é que as pessoas prestem um bom serviço.
E a questão dos radares da MG-30. O senhor que está com esse “pepino” aí?
Sim. Eu como conselheiro, e depois também o pleno, paralisamos a licitação porque entendemos que havia problemas no processo licitatório. E, agora, o governo do estado solicitou uma mesa de conciliação. Nós estamos aguardando, porque eu estou lá com uma mesa de conciliação com duas atividades importantes, uma tratando inclusive de restos a pagar deste governo e dos governos anteriores, de cerca de R$ 17 bilhões.
R$ 17 bilhões? Para pagar o quê?
Restos a pagar da saúde, da educação. Foram compromissos que foram feitos e depois não se conseguiu pagar. O governo do estado está querendo renegociar tudo para quitar esses valores. Então, estamos tratando dessa questão, que é importantíssima, porque provavelmente teremos o Propag no futuro e também parcelas a serem pagas ao governo federal. Então, isso tem que se adequar à condição e à capacidade de pagamento por parte do governo.
Essa questão implica o repasse desses restos a pagar. Tem alguma data limite, ano que vem, em função de ser ano eleitoral?
Não, não tem. Porque são restos a pagar que, vamos dizer, já foram contabilizados, e muitos deles já foram empenhados, ou seja, já existe a nota de compra, e eles somente não foram pagos. Então, tem que fazer uma negociação para que esses valores que ficaram pendentes possam ser quitados no futuro. O estado fez uma proposta de prazo, nós estamos analisando. O Ministério Público, junto ao tribunal, também tem uma proposta, e nós estamos tentando aproximar esses dois polos.
Agora, R$ 17 bilhões é muito dinheiro. Essa conversa deve demorar?
Sim. É um valor muito grande. O estado, neste ano, já pagou R$ 1,7 bilhão sobre esses restos a pagar. Então, é necessário que se faça um acordo. Falando no Propag, vamos ver quanto que o governo vai conseguir reduzir as parcelas, mas se estima em mais ou menos R$ 300 milhões ou R$ 400 milhões o pagamento do Propag para o próximo ano. Imagine uma dívida que seria de R$ 1,7 bilhão no ano que vem. Então, é um assunto que temos que tomar cuidado, até porque, senão, não sobram recursos para as outras atividades públicas. E, logo em seguida, daremos início a essas novas mesas. Uma trata do vetor Norte da MG-30, da sua privatização e da instalação dos radares.
O senhor pensa que é viável buscar uma conciliação que não ocorreu numa casa legislativa do debate, uma casa do povo?
É o que a gente vai tentar. Isso também foi questão de judicialização. Eu tomei a decisão, e o estado judicializou. Em primeira instância, a juíza que tratou do caso nos deu razão. E também na segunda instância, no Tribunal de Justiça. Agora, vamos partir para uma conciliação solicitada pelo estado. É o que nós vamos tentar fazer. Há a necessidade da melhoria das condições da rodovia, da ampliação do número de faixas. Isso tudo tem que estar muito claro para a população, porque, senão, fica só uma visão de que vai ter o pedágio. Mas o que a população terá de melhoria? Nós vamos ter ambulância para cuidar das pessoas no caso de um acidente? Teremos uma sinalização melhor, um piso melhor, uma rodovia mais larga? Aqueles que transitam sempre terão um desconto na tarifa? E as empresas de ônibus, como serão tratadas? Isso tudo precisa ser acertado.
O senhor acredita que pode chegar algum dia nessa mesa de conciliação a questão do transporte de graça, do ônibus de graça?
Eu acho que pode. É uma discussão que está na Câmara. Eu não sei a capacidade das prefeituras de arcar com esse custo, porque, na hora que se paga a passagem, vão deixar de ter recurso para outras áreas dentro da prefeitura.
O senhor, como presidente da mesa de conciliação, pode sugerir: “Vamos pôr pedágio também em tal lugar para conseguir a arrecadação necessária?” Porque tem uns lugares na região metropolitana, que o senhor sabe, que têm mais dinheiro que outros lugares. Existe isso?
É uma questão que tem que ser debatida. Pode ser colocado. Vejo a situação do Bairro Belvedere, na divisa de Belo Horizonte com Nova Lima, que as pessoas não conseguem transitar. O que a gente sente é que não existe, muitas vezes, recurso público para fazer as obras importantes. Quem sabe não pode ser aí uma privatização que pode solucionar esse problema. E como você colocou muito bem, é uma população que tem uma renda maior e que, portanto, comprometeria uma parcela muito menor do seu orçamento mensal com essa questão. A gente tem que pensar que quem trafega mais pague mais, quem anda menos pague menos. Algo que pudesse ser justo para a população, melhore o trânsito e traga investimentos. O que eu sinto muita necessidade, e a gente fica vendo em outros estados, são esses grandes investimentos. Quando a gente vê Salvador ligada por metrô até o aeroporto, a gente fala: “Poxa, ficamos para trás”. Quando a gente vê grandes investimentos de metrô, de grandes vias com três, quatro faixas de cada lado. Isso tudo nos mostra que Minas precisa também avançar nessas questões.
Quando o Agostinho Patrus foi chamado para a vida pública como herdeiro político da família?
Isso começou lá atrás. Eu viajava com meu pai porque ele gostava de dirigir. Ele teve dois acidentes de carro quando viajava com um motorista, e a gente ficava preocupado. Quando eu tinha férias na escola, ia com ele. E a gente vai tomando gosto. Não me esqueço de uma cidade lá no Norte de Minas, Ubaí. Uma vez, fui com ele e o prefeito fez questão de nos levar em umas casas muito humildes. Meu pai era secretário de Obras à época, e mostrou para nós, na frente das casas, umas crianças brincando no meio de uma água de esgoto. Meu pai olhou aquilo e falou: “Nós temos que dar um jeito nisso. Imagine a quantidade de doenças que isso pode gerar”. Me lembro, depois, ele arrumou os recursos, mas não foi mais candidato porque minha mãe estava doente. Eu fui o candidato e me lembro de ir lá inaugurar. Essa sensação é o que move a gente.
Podemos sonhar em ter um país em que possamos voltar a ter debates de ideias, debates políticos, como vivíamos até recentemente, 15, 20 anos atrás?
É o que a gente espera. Infelizmente, isso tornou-se uma tendência mundial. O mundo inteiro nesta polarização. As redes sociais criaram algo em que a veemência, a agressão é valorizada, dá “ibope”, curtidas, likes. Isso tornou as pessoas mais agressivas, mais beligerantes. Eu acho que vamos viver ciclos na vida, como sempre vivemos: momentos mais ríspidos, momentos mais tranquilos. Mas espero que passe logo, para que possamos ser mais unidos. Vemos famílias se distanciando por brigas. Amigos de longa data que não conversam mais por questão política. As pessoas têm que estar unidas pelo país, até no final de semana, para conversar de outros assuntos, tomar uma cerveja, bater papo, comer um torresmo.