PGR ignora pressão de Trump e coloca Bolsonaro no centro do golpe de Estado
Na peça, o procurador Paulo Gonet traçou um sobrevoo sobre a vida política do ex-presidente e detalhou a construção das narrativas contra as instituições democráticas até culminar no 8 de Janeiro
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Siga noÀ revelia de toda articulação internacional feita pelo entorno de Jair Bolsonaro junto ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra as instituições brasileiras, as alegações finais apresentadas pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, ao STF (Supremo Tribunal Federal) colocam Jair Bolsonaro como principal articulador da tentativa de golpe de Estado. O documento faz um voo factual sobre a vida política do ex-presidente e toda construção da trama golpista, mesmo antes de 2022, quanto ele perdeu as eleições para Luiz Inácio Lula da Silva.
Trata-se de um enredo detalhado que classifica o ex-presidente como “principal articulador, maior beneficiário e autor dos mais graves atos executórios voltados à ruptura do Estado Democrático de Direito”.
O posicionamento da PGR entrou no sistema do STF na noite de segunda-feira,14, às 23h46, e tem 517 páginas. A peça individualiza as responsabilidades e apresenta Bolsonaro como líder de toda trama, aquele que, “no exercício do cargo mais elevado da República, instrumentalizou o aparato estatal e operou, de forma dolosa, esquema persistente de ataque às instituições públicas e ao processo sucessório”. Gonet pede a condenação do que ele chama de “núcleo crucial” do golpe.
Pressão internacional
Mais cedo, na expectativa de que as alegações finais pediriam a condenação, o presidente Jair Bolsonaro usou suas redes sociais para se colocar como vítima dos “sistema”, que quer destruí-lo “por completo” e “silenciar quem se opõe”. Essa alegação está na base da argumentação do presidente norte-americano, Donaldo Trump, para impor às exportações brasileiras uma sobretaxa a partir de 1º de agosto.
Também no início da noite de segunda-feira, antes da apresentação da peça do procurador, o alto funcionário para a democracia pública do governo americano, Darren Beattie, fez questão de lembrar as ameaças de Trump contidas na carta endereçada ao Brasil. Ele publicou na rede X (ex-Twitter), uma mensagem citando Lula e o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF. “O presidente Trump enviou uma carta impondo consequências há muito esperadas à Suprema Corte de Moraes e ao governo Lula por seus ataques a Jair Bolsonaro, à liberdade de expressão e ao comércio americano. Tais ataques são uma vergonha e estão muito aquém da dignidade das tradições democráticas do Brasil. As declarações do presidente Trump são claras. Estaremos observando atentamente”. Beattie é assessor do secretário de Estado Marco Rubio.
A Embaixada dos Estados Unidos no Brasil também republicou na rede o alerta dado pelo governo norte-americano.
Construção da narrativa golpista
O roteiro apresentado por Gonet perpassa entre vários episódios, a construção das narrativas para descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro, o uso da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para interferir nas eleições, a aquiescência de Bolsonaro diante dos acampamentos golpistas instalados nas portas dos quarteis e os vários momentos em que Bolsonaro se utilizou da estrutura do Estado em seu benefício pessoal. A “empreitada golpista” do 8 de Janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro “munidos de artefatos de destruição, avançaram sobre a Praça dos Três Poderes em marcha organizada” é apresentada como resultado de todo processo.
O objetivo final, segundo a peça apresentada por Gonet, era “impor a instalação de um regime de governo alternativo, produto da deposição do governo legitimamente eleito e da abolição violenta do Estado Democrático de Direito”. O PGR ainda enfatizou que “bastava a manutenção do suporte moral e material aos manifestantes para se concretizar o inevitável desfecho violento”, enfatizou.
Artimanhas da defesa
Ao falar das artimanhas da defesa de Bolsonaro, Gonet condena as internações hospitalares apresentadas com o objetivo de se promover a nulidade das citações ao réu. “Está superada pela presença do réu em todos os atos da instrução processual, acompanhado de seus defensores constituídos”, diz o procurador. “Não há, portanto, impedimento à análise do mérito”. apontou.
E agora?
Agora, com as alegações apresentadas pelo procurador, pedindo a condenação de Jair Bolsonaro e de mais 7 réus no chamado “núcleo crucial” do golpe, começa a contar o prazo de 15 dias para a apresentação das alegações finais da defesa do delator, o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. Depois, os demais réus terão mais 15 dias para apresentarem suas alegações finais.
“Núcleo crucial”
Integram esse núcleo, além de Bolsonaro e Mauro Cid, o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que era diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência); Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República); Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, e Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil. Eles respondem por: tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, deterioração de patrimônio tombado, dano qualificado e participação em organização criminosa armada.
Os prazos processuais continuarão correndo durante o recesso do Judiciário, de 2 a 31 de julho, devido à presença do general Braga Netto como réu preso. Depois disso, o processo estará pronto para ser julgado pela 1ª Turma do STF, em data ainda a ser definida para o 2º semestre deste ano. O julgamento analisará a situação de cada acusado individualizando as penas.