
Projeto transfere ao governo parte do tratamento de voluntários em pesquisas
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), porém, fez manifestações contrárias ao projeto, endossadas pelo CNS (Conselho Nacional de Saúde)
compartilhe
Siga noSÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Após oito anos de discussões, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que cria novas regras para a pesquisa clínica com seres humanos. Com a mudança, deve ser reduzido o prazo para a aprovação dos ensaios clínicos.
O projeto, apresentado em 2015 pela ex-senadora Ana Amélia, segue novamente para o Senado com boas chances de aprovação por já ter sido aprovado anteriormente naquela casa.
22/11/2023 - 14:00 'Ansiedade climática': taxa de pesquisa têm aumento de 73 vezes em 5 anos 22/11/2023 - 15:00 Crianças e adolescentes: pesquisa aponta aumento da obesidade durante pandemia no Brasil 24/11/2023 - 16:30 Pesquisa da Santa Casa BH permite controle de tumor cerebral
Para eles, as novas regras podem enfraquecer salvaguardas que hoje defendem as pesquisas científicas com seres humanos, como a existência da Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), que, segundo eles, perderia suas funções.
Em um posicionamento enviado ao Congresso, a atual gestão defende que a Conep continue à frente do acompanhamento de pesquisas em seres humanos.
Criada em 1996, a comissão tem composição multidisciplinar com participação de pesquisadores, estudiosos de bioética, juristas, profissionais de saúde, das ciências sociais, humanas e exatas e representantes de usuários.
Outra questão polêmica do projeto diz respeito aos direitos dos participantes voluntários das pesquisas e aos deveres do pesquisador, patrocinador e entidades envolvidas.
Pelas regras atuais, o tratamento deve ser fornecido pelas farmacêuticas de forma permanente e gratuita aos pacientes que participaram dos experimentos clínicos.
Já o texto aprovado garante a continuidade do fornecimento do medicamento ao paciente participante pelas fabricantes durante cinco anos após a pesquisa ser certificada ou o remédio já estar no comércio. Depois disso, passa ser obrigação do governo garantir a continuidade do tratamento.
A Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa) comemorou a aprovação do projeto e considera que ele é decisivo para pôr o Brasil entre os dez primeiros países no ranking global de pesquisa clínica.
Para Renato Porto, presidente-executivo da Interfarma, as manifestações do governo federal contrárias ao projeto são "contrapontos técnicos".
"O texto aprovado pela Câmara traz benefícios para os centros de pesquisa e pesquisadores, para a indústria e, principalmente, para os pacientes participantes dos estudos clínicos", diz ele.
Na sua opinião, as regras atuais para a pesquisa clínica têm uma série de "obstáculos técnicos", como a cobertura pós-estudo vitalícia, sistema duplo de avaliação de ética e pesquisa e tempo de análise e aprovação sanitária e ética.
"São pontos que nos colocam em desvantagem competitiva em relação aos outros países em busca de investimentos em saúde."
Em 2022, o Brasil ocupou a 20ª posição no ranking global, com apenas 2% dos estudos clínicos realizados no mundo. A colocação representa uma queda em relação ao percentual de estudos iniciados no país, que era de 2,3% em 2013.
Países como Turquia, Taiwan e Egito, com menor PIB, população e mercado farmacêutico, ultrapassaram o Brasil no ranking entre 2013 e 2022. "A aprovação do PL pode nos ajudar a atingir a 10ª colocação, ocupada atualmente pela Itália", diz Porto.
Segundo estudo da Interfarma, se alcançar a 10ª posição, o Brasil poderá atrair um investimento estimado de R$ 3 bilhões/ano, com efeitos na economia ainda maiores, em torno de R$ 5 bilhões/ano.
De acordo com o novo projeto, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) terá 90 dias para analisar petições primárias de ensaios clínicos com seres humanos para fins de registro sanitário do produto sob investigação.
A exceção será para produtos complexos, cujo prazo sobe para 120 dias. Segundo estudos do setor farmacêutico, atualmente, o prazo de análise pela agência chega a ultrapassar 200 dias.
Sobre a participação voluntária e sem remuneração em pesquisas com seres humanos, o projeto diz que será necessário que os interessados apresentem um termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelo participante ou seu representante legal.
Se o participante vier a sofrer eventuais danos por sua participação na pesquisa, a nova legislação determina ainda uma indenização. Caberá ao patrocinador da pesquisa pagar essa indenização e também a assistência.
Caso a pesquisa seja patrocinada por governos, agências governamentais nacionais ou internacionais, ou instituições sem fins lucrativos, a instituição de pesquisa brasileira poderá assumir as responsabilidades pela indenização, isentando os patrocinadores.
Caso a pesquisa envolva ensaios clínicos de fase 1 ou de bioequivalência, como os realizados para atestar a funcionalidade de vacinas ou a efetividade de medicamentos genéricos, os voluntários poderão receber remuneração.
O voluntário poderá desistir a qualquer momento, sem ônus ou prejuízo para si. Além disso, ele terá direito ao ressarcimento de despesas com transporte ou alimentação, ainda que envolvam seus acompanhantes.
Segundo o projeto, se a pesquisa for de interesse estratégico para o SUS, ela terá prioridade na análise ética e contará com procedimentos especiais de análise.