Tendência nas redes prega magreza com hábitos extremos e nada saudáveis
Vídeos no TikTok promovem a magreza extrema e sugerem hábitos perigosos, como comer apenas uma vez por dia ou beber líquidos para enganar a fome
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Siga noA magreza voltou ao centro dos holofotes, mas não de forma saudável. No TikTok, milhares de vídeos reúnem imagens de corpos extremamente magros, acompanhadas de frases como “não seja fraca, seja magra” ou “sofra para ser perfeita”. Esse fenômeno, conhecido como skinny tok, não é apenas uma nova moda digital - segundo a diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia, Marcella Garcez, ele resgata velhos fantasmas da cultura da magreza, agora potencializados pelo alcance massivo das redes sociais.
“Os vídeos refletem modelos corporais que não são apenas inatingíveis para a maioria das pessoas, mas também biologicamente incompatíveis com a saúde. Quando adolescentes, principalmente meninas, passam a ver esses corpos como padrão de sucesso, isso gera consequências emocionais e físicas gravíssimas”, alerta a nutróloga.
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O problema não é novo. No começo dos anos 2000, fóruns online defendiam a anorexia como estilo de vida. Hoje, o skinny tok surge de forma mais disfarçada, mas igualmente perigosa. “O algoritmo do TikTok potencializa essa exposição, entregando conteúdos que reforçam padrões corporais irreais a milhões de jovens. Adolescentes são especialmente vulneráveis porque estão construindo sua identidade e seu senso de valor. Quando eles associam magreza a controle, sucesso e beleza, criam uma relação distorcida com a comida e com o próprio corpo”, afirma a médica.
Nos vídeos, as 'dicas' amigas mais parecem vir de inimigos: comer apenas uma vez ao dia, beber líquidos para enganar a fome, cortar grupos alimentares inteiros e um show de desinformação. “É um tipo de conteúdo que promove comportamento autodestrutivo. Os vídeos são acompanhados muitas vezes de mensagens que induzem à culpa: ‘coma pouco para ser magro’, ‘o sofrimento faz parte do processo’. Esse discurso, veiculado em larga escala, constitui uma verdadeira incitação à anorexia, um transtorno alimentar potencialmente fatal, e desconsidera que a obesidade é uma doença multifatorial, com fatores emocionais, genéticos, metabólicos e sociais envolvidos. Reduzir o controle da obesidade à força de vontade só gera ainda mais culpa no paciente”, comenta a médica.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que cerca de 4,7% da população brasileira sofre de algum transtorno alimentar, como anorexia, bulimia ou compulsão alimentar periódica. Mas especialistas acreditam que esse número pode ser ainda maior, já que muitos casos não são diagnosticados.
“Os transtornos alimentares têm múltiplas causas: envolvem genética, fatores psicológicos, pressões sociais e culturais. Mas não há dúvida de que a glorificação da magreza extrema nas redes sociais é hoje um dos principais gatilhos, principalmente entre jovens em formação”, explica Marcella.
“Jovens nessa faixa etária, muitas vezes em busca de identidade ou validação, podem se ver fragilizados por conteúdos que incentivam práticas perigosas, com consequências perigosas que vão desde restrições alimentares excessivas até automutilação e suicídio”, diz.
Marcella enfatiza que estudos mostram que meninas expostas a imagens idealizadas de magreza em redes sociais têm maior risco de desenvolver insatisfação corporal, que é o principal fator de risco para anorexia e bulimia.
“Restringir drasticamente a alimentação também pode levar a deficiências nutricionais graves, osteoporose precoce, queda de cabelo, alterações hormonais e problemas cardíacos. Não estamos falando só de aparência. Esse padrão coloca vidas em risco real”, reforça.
Outro ponto levantado por Marcella é o uso indiscriminado de medicamentos para emagrecimento. “Esses remédios não são mágicos. Eles têm indicações muito específicas e devem sempre estar associados a mudanças de estilo de vida acompanhadas por profissionais. Quando usados sem orientação, além de não resolverem o problema, podem trazer efeitos colaterais graves e ainda fazer com que percam eficácia como recurso terapêutico futuro”, explica.
Mais do que culpar redes sociais ou usuários, a especialista defende que é preciso uma abordagem integrada. “Todo extremo é patológico, tanto o culto à magreza quanto a romantização da obesidade. Precisamos de políticas públicas para educação alimentar e corporal, necessitamos das famílias atentas e de profissionais de saúde qualificados para tratar casos já instalados. Sem isso, estamos deixando nossos jovens à mercê de conteúdos que banalizam doenças graves”.
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