Anvisa proíbe versões manipuladas de Ozempic, Mounjaro e Wegovy no Brasil
A medida só vale para as versões "biotecnológicas" da liraglutida, semaglutida e tirzepatida
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Siga noA Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu, por meio de um despacho publicado na segunda-feira (25/8), a produção de versões manipuladas de Ozempic, Wegovy e Mounjaro, além do Rybelsus, medicamentos indicados para o tratamento de diabetes e obesidade.
A medida só vale para as versões "biotecnológicas" da liraglutida (Victoza, Saxenda), semaglutida (Ozempic, Wegovy e Rybelsus) e tirzepatida (Mounjaro). Ou seja, moléculas sintéticas seguem liberadas para a manipulação caso já haja um medicamento registrado no país que utilize este tipo de princípio ativo.
Atualmente, não há nenhum medicamento à base de semaglutida sintética registrado no Brasil. Por isso, qualquer manipulação da substância - biotecnológica ou sintética - se torna irregular e ilegal, sem garantia de segurança ou eficácia.
Segundo a Anvisa, até 6 de agosto, havia nove pedidos de registro de medicamentos sintéticos de semaglutida e sete pedidos relacionados à liraglutida, todos aguardando o início da análise. Na área de medicamentos biológicos, na mesma data, existiam três processos em tramitação relacionados aos insumos liraglutida, semaglutida e à combinação insulina icodeca + semaglutida. Nesse caso, os três processos encontram-se em fase inicial, aguardando distribuição para análise técnica.
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A produção de versões biotecnológicas das "canetas emagrecedoras" usa ingredientes importados. O Ozempic por exemplo, imita o hormônio GLP-1 intestinal com a ajuda de bactérias geneticamente modificadas e, por isso, é considerado "biotecnológico". Já medicações como a liraglutida da EMS (Olire e Lirux), por exemplo, utilizam peptídeos sintéticos para "montar" a substância.
Risco Sanitário
Anvisa considerou que a manipulação destes "ingredientes vivos" importados tem um alto risco sanitário. Além disso, a agência classificou que os processos técnicos envolvidos são de alta complexidade, relacionada ao estabelecimento de um "sistema de banco de células único" e de uma necessidade de garantir a identidade, pureza, potência e estabilidade dos IFAs (insumos farmacêuticos ativos, os tais ingredientes).
O veto é temporário enquanto é determinado um novo procedimento de importação para os manipulados. Importação dos ingredientes biotecnológicos segue permitida apenas para os fabricantes que tiveram seus produtos analisados durante o processo de registro na Anvisa, como as farmacêuticas Novo Nordisk (Ozempic, Wegovy e Rybelsus) e Eli Lilly (Mounjaro).
Anvisa ainda obriga testes de controle de qualidade para os ingredientes pelas importadoras. Farmácias também têm que seguir as normas para as preparações estéreis estipuladas pela agência, que deverá intensificar a fiscalização, de acordo com o despacho.
O que disseram as farmacêuticas?
Em nota, a Novo Nordisk considerou a decisão da Anvisa "um benefício para a saúde pública e para o paciente brasileiro". A farmacêutica, que atualmente tenta estender o prazo da patente do Ozempic para além de 2026, falou em "camada de proteção contra os riscos de produtos manipulados de forma ilegítima".
"Medicamentos irregulares não oferecem garantia de pureza, dosagem correta, estabilidade ou esterilidade, podendo resultar em ineficácia do tratamento, reações adversas graves e contaminação, colocando a saúde e segurança do paciente em risco. [...] Além disso, os preços praticados para esses medicamentos no mercado formal não apresentam diferenças significativas em relação aos valores cobrados por versões manipuladas, oferecendo ao paciente a opção segura e registrada sem custo adicional relevante", disse a Novo Nordisk, em comunicado à imprensa.
A Eli Lilly foi procurada pela reportagem, mas ainda não havia retorno até o momento da publicação. A matéria será atualizada assim que houver um posicionamento da empresa.
O que dizem os farmacêuticos e a indústria?
A Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag) e o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) também foram questionados. Ambas ainda não se posicionaram, mas o espaço segue em aberto.
Em nota enviada anteriormente ao UOL, Sindusfarma questiona a manipulação de medicamentos. "Em geral, as farmácias magistrais não têm as instalações e os equipamentos necessários nem profissionais adequadamente treinados para fazer o mesmo controle de qualidade amplo e aprofundado que a indústria farmacêutica realiza para cada produto que fabrica e que precisa comprovar regularmente para a Anvisa", diz.
"Fornecedores das farmácias magistrais não são inspecionados nem certificados pela Anvisa", alega o Sindusfarma. Esta fiscalização é obrigatória para a indústria farmacêutica.
Por isso, o sindicato anunciou que fez uma série de denúncias à agência. Entre elas, queixas sobre "atos ilegais praticados por farmácias de manipulação em todo o país no caso da produção em massa de emagrecedores agonistas de GLP-1", citando que a oferta atual indica que estes estabelecimentos já até mantêm estoque de produtos, o que afronta a legislação e o princípio de que o medicamento patenteado só pode ser manipulado para atender à necessidade de uma dosagem individual do paciente.
Associação médica
A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) também se posicionou sobre a decisão da Anvisa. Confira o comunicado:
"A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) recebeu com satisfação a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de proibir a manipulação da semaglutida, reconhecendo os riscos associados ao uso de formulações não autorizadas de medicamentos antiobesidade. Trata-se de um passo fundamental para a proteção da população brasileira contra práticas que colocam em risco sua saúde e minam a confiança na medicina baseada em evidências.
Entretanto, a SBEM manifesta profunda preocupação com a manutenção da permissão para a manipulação da tirzepatida, outro agonista de receptores de incretina utilizado no tratamento da obesidade e do diabetes tipo 2. Os riscos que levaram à proibição da semaglutida são idênticos e igualmente graves no caso da tirzepatida manipulada:
- Ausência de comprovação científica: não existem estudos clínicos que atestem a eficácia, estabilidade, segurança ou bioequivalência das formulações manipuladas de tirzepatida.
- Incerteza sobre o princípio ativo: não há garantia de pureza, origem ou identidade molecular nas versões manipuladas. Casos de falsificação e adulteração já foram amplamente documentados.
- Instabilidade e riscos de conservação: a tirzepatida, assim como a semaglutida, é uma molécula peptídica extremamente sensível a variações térmicas, pH e processos de manipulação que não seguem padrões industriais controlados.
- Efeitos adversos graves: relatos nacionais e internacionais já associaram formulações irregulares a eventos adversos potencialmente fatais, incluindo pancreatite, hipoglicemias, infecções e complicações digestivas severas.
- Violação de princípios regulatórios: tanto a semaglutida quanto a tirzepatida possuem registros sanitários apenas em suas formas industrializadas, produzidas sob rigorosos critérios de qualidade, estabilidade e rastreabilidade. A manipulação fere a lógica regulatória e fragiliza o sistema de farmacovigilância.
A manutenção de uma proibição parcial, restrita apenas à semaglutida, abre espaço para a migração do mercado irregular para a tirzepatida manipulada, perpetuando o risco sanitário e expondo pacientes a produtos inseguros.
Diante disso, a SBEM reitera seu compromisso com a proteção da saúde pública e solicita formalmente que a Anvisa estenda a medida cautelar também à tirzepatida, proibindo sua manipulação em território nacional. Somente assim será possível garantir a coerência regulatória, a segurança da população e a preservação da medicina baseada em ciência.
Muitos pacientes têmusado versões manipuladas de origem desconhecida em clínicas, onde muitas vezes são extorquidos, o que fere o código de ética médica e expõe pacientes a riscos com aplicações nas próprias clinicas destes medicamentos que não tiveram sua eficácia e segurança avaliados."