O apelo estético pode até ser o que leva muita gente para a academia, mas os benefícios dos músculos vão muito além do que se vê no espelho. “Acumular massa muscular ao longo da vida pode ser um fator decisivo para sobreviver ao câncer. Os exercícios de força têm ganhado destaque na literatura científica como aliados poderosos na luta contra a doença. Isso acontece basicamente porque construir músculos é essencial para combater dois vilões comuns em pacientes oncológicos: a sarcopenia e a desnutrição”, explica o oncologista do Centro Médico Paulista High Clinic Brazil (São Paulo) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia, Ramon Andrade de Mello.
Segundo o médico, a sarcopenia é a perda progressiva de massa e força muscular, um fenômeno associado ao envelhecimento, mas que também ocorre em pacientes com câncer, especialmente durante o tratamento.
“A quimioterapia, a radioterapia e até a inflamação sistêmica provocada pelo tumor favorecem o catabolismo, ou seja, a degradação muscular. Quando combinada à perda de peso involuntária e à baixa ingestão calórica, essa condição leva à caquexia, um estado grave de desnutrição que está associado a pior prognóstico e maior risco de morte”, explica Ramon.
Leia Mais
O médico destaca que pacientes com maior índice de massa muscular têm melhor resposta ao tratamento oncológico, menos efeitos colaterais, menos hospitalizações e maior sobrevida. O risco de mortalidade por todas as causas é reduzido significativamente, segundo estudos, podendo diminuir em até 48% no caso do câncer de mama.
Uma meta-análise de 38 estudos descobriu que a sarcopenia estava associada a um risco 44% maior de mortalidade por todas as causas em pacientes com câncer com tumores sólidos. “A musculatura funciona como um verdadeiro ‘colchão metabólico’. Ela ajuda a regular o metabolismo, a glicemia, e até a imunidade, o que é crucial durante o enfrentamento de um câncer. O estímulo ao ganho de força e massa muscular deve começar ainda na juventude, como estratégia de prevenção oncológica indireta”, comenta o médico.
“Vale lembrar que as pessoas costumam acreditar que o tecido muscular serve apenas para locomoção. Mas na verdade, ele é um órgão endócrino ativo, capaz de secretar mioquinas, substâncias que modulam processos inflamatórios, o sistema imune e o metabolismo. Algumas dessas mioquinas têm efeito antitumoral e ajudam a reduzir a inflamação crônica, condição que favorece o surgimento e a progressão do câncer”, explica o oncologista.
Pacientes com câncer podem e devem praticar exercícios
E, quando o diagnóstico já foi dado, a musculação ainda tem papel fundamental. Diversas diretrizes internacionais, como as da American College of Sports Medicine (ACSM) e da European Society for Clinical Nutrition and Metabolism (ESPEN), já reconhecem a atividade física, incluindo o treinamento de força, como parte integrante do tratamento oncológico.
Recentemente, um estudo publicado no New England Journal of Medicine e apresentado na conferência da ASCO (American Society of Clinical Oncology) no começo de junho, acompanhou 889 pacientes entre 2009 e 2024, todos com câncer de cólon e que haviam concluído a quimioterapia.
“Metade recebeu um livreto informativo que os incentivava a adotar um estilo de vida saudável com boa nutrição e exercícios; a outra metade também foi acompanhada por um consultor de atividade física por três anos”, esclarece o especialista.
Os dados mostram, segundo o oncologista, que a atividade física deve ser tratada como parte fundamental do tratamento. “O programa de exercícios evitou que um em cada 16 pacientes desenvolvesse câncer recorrente ou novo. Além disso, o estudo mostrou uma taxa de sobrevida livre de doença em cinco anos de 80% para o grupo com um consultor de exercícios, em comparação com 74% para o grupo que apenas recebeu o livreto. O início da atividade física depende da condição do paciente, mas pode ser durante o tratamento quimioterápico ou logo após o término do tratamento”, comenta o oncologista.
O médico explica que o exercício não só é seguro como é benéfico durante o tratamento, desde que adaptado à condição clínica do paciente. “Ele ajuda a preservar a massa muscular, reduz a fadiga, melhora a qualidade de vida e até o humor”, aponta Ramon. A recomendação, no entanto, é que a prática seja supervisionada por profissionais qualificados, como fisioterapeutas ou educadores físicos com experiência em oncologia, além de envolver a equipe médica.
Construir músculos é um investimento em saúde
A ideia de que “malhar é só vaidade” está ultrapassada. A construção muscular é, na verdade, um investimento em longevidade e resiliência frente a doenças graves, como o câncer.
“E, ao contrário do que muitos pensam, não é preciso ser fisiculturista. O importante é manter uma boa proporção de massa muscular, de preferência associada a uma composição corporal saudável e a hábitos alimentares equilibrados. Quem entra em um tratamento oncológico com mais músculo, entra com mais reserva funcional e metabólica. Isso pode fazer toda a diferença entre tolerar ou não uma quimioterapia, por exemplo. O ‘shape’ pode até ser um bônus, mas a verdadeira força da musculação está em proteger a vida”, reforça Ramon.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia