Retração gengival começa com sintomas como sensibilidade e pode evoluir até perda dos dentes
Progressiva, a retração gengival tem diversas causas: as mais comuns são traumas provocados pela escovação inadequada, roer as unhas e morder objetos
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Siga noSÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Toda vez que comia ou bebia algo muito gelado ou muito quente, a analista de qualidade e estudante de odontologia Letícia Helena Brusco, 28, sentia uma dor aguda nos dentes, um sinal de sensibilidade dentária, que, no seu caso, era causado por um problema mais amplo: a retração (ou recessão) gengival.
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Foi para evitar que isso acontecesse que Letícia buscou tratamento. "Faz uns três anos, mais ou menos, que comecei a ter sensibilidade. Também notei que a gengiva estava encolhendo em alguns dentes. O diagnóstico foi retração gengival", conta. "Cheguei a fazer o recobrimento das áreas expostas com resina, mas depois descobri que esse não é o tratamento adequado."
No começo deste ano, após se consultar com uma professora da faculdade onde estuda, ela optou por fazer a cirurgia de recobrimento radicular, o tratamento padrão indicado. Inicialmente, o procedimento foi realizado em quatro dentes do lado esquerdo inferior. Em uma próxima etapa, o mesmo será feito em outros cinco dentes inferiores e superiores.
"A cirurgia não é a coisa mais agradável do mundo, mas não me arrependo de ter feito. Mesmo ainda sem ter coberto todos os dentes que tenho retração, a minha qualidade de vida já melhorou muito", relata Letícia. "E, apesar de meu caso não ser grave, decidi cuidar justamente para que não se torne."
PROBLEMA PROGRESSIVO
Progressiva, a retração gengival tem diversas causas, como explica Tamires de Miranda, professora de Periodontia da Associação Brasileira de Odontologia Seção São Paulo (ABO-SP) e do Programa de Pós-Graduação em Odontologia da Universidade Guarulhos. Algumas das mais comuns são traumas provocados pela escovação inadequada, geralmente com força excessiva e uso de escovas de cerdas duras, e por hábitos como roer as unhas, morder objetos (tampa de caneta, por exemplo) e usar piercing labial ou lingual.
"Outros fatores são bruxismo (ranger ou apertar os dentes), má oclusão (desalinhamento dos dentes) e doenças periodontais (gengivite e periodontite), causadas pelo acúmulo de placa bacteriana (tártaro)", pontua a especialista. "A condição também pode ocorrer em pessoas que usaram aparelho ortodôntico por muito tempo e que consomem muitos alimentos ácidos, pois isso pode causar erosão no dente e, possivelmente, a retração."
Além disso, quem tem fenótipo gengival fino têm maior predisposição à recessão gengival. Isso acontece porque a gengiva é, como o nome já entrega, mais fina, e, portanto, mais frágil e menos resistente a traumas. E, apesar de não serem causas primárias, tabagismo e consumo de álcool também podem ter impacto, pois aumentam a chance de lesões na mucosa e de doenças gengivais.
O envelhecimento é mais um fator que aumenta a probabilidade. A explicação, segundo Miranda, é que, com o tempo, os tecidos da boca sofrem um desgaste natural. Aa gengiva tende a perder volume e firmeza e o osso de suporte do dente também pode sofrer reabsorção gradual, favorecendo a exposição da raiz. E tem mais: indivíduos com freio lingual (ou frênulo lingual), que é uma membrana que conecta a língua ao assoalho da boca, também são mais propensas à condição.
COMO TRATAR A RETRAÇÃO GENGIVAL
A retração gengival, no geral, evolui de forma lenta e, no início, pode não ter sintomas. Com o tempo, no entanto, a pessoa tende a desenvolver sensibilidade dentária, como aconteceu com Letícia, devido à exposição da raiz do dente. O problema ainda afeta a estética do sorriso. Como a gengiva se afasta do dente, isso dá a impressão de que ele ficou mais longo, e é algo que costuma incomodar muita gente.
O principal sintoma da retração, a sensibilidade, no geral desaparece quando a condição é tratada. Mas, normalmente, é recomendado o uso de creme dental dessensibilizante, uso de escova macia e que se evite o consumo de alimentos e bebidas muito ácidos e muito quentes ou frios.
Miranda destaca que, se a condição evoluir, há o risco de a pessoa ter cárie radicular, que se desenvolve na raiz do dente, em áreas onde a gengiva retraiu. Além disso, inflamações gengivais associadas à perda óssea alveolar (diminuição do osso que sustenta os dentes) pode levar ao pior quadro, que é a perda do dente.
Para evitar essa situação, o tratamento precisa ser iniciado o quanto antes. O profissional indicado é o periodontista. Na consulta, ele analisará a saúde da gengiva e dos dentes e investigará as causas.
O cuidado começa justamente por aí: controlar o que está provocando a retração. Se o motivo for o excesso de força na escovação, o dentista vai orientar mudanças na técnica e indicar uma escova de cerdas macias. Já nos casos relacionados à doença periodontal, fará a remoção do tártaro e o controle da inflamação. Se for bruxismo, possivelmente recomendará o uso de placa de mordida e mudanças de hábitos.
"Sem tratar as causas da retração gengival, ela vai continuar acontecendo. Então, esse é sempre o primeiro passo", observa Alexandra Dias, presidente da Sociedade Brasileira de Periodontia e Implantodontia (Sobrapi). "Depois disso, iremos avaliar a necessidade ou não da cirurgia radicular, que é o tratamento mais indicado."
O procedimento consiste em reposicionar o tecido da gengiva ou adicionar tecido gengival proveniente do próprio paciente, geralmente retirado do palato (céu da boca) ou de materiais biocompatíveis. O objetivo é cobrir a raiz exposta, reduzir a sensibilidade, proteger contra novas retrações e restabelecer a estética do sorriso.
"Essa é uma cirurgia com bons resultados, mas se o paciente tiver perda óssea ou perda de tecido entre os dentes, a chance de recobrir toda a raiz diminui. Por isso, é importante já procurar o dentista logo que a recessão gengival começar", salienta Dias.
E ela faz um alerta: "Muitos profissionais da odontologia, em vez da operação, recomendam recobrir as recessões com resina. Só que isso é totalmente contraindicado. Resinas não podem ser colocadas sobre superfície radicular. Superfície radicular precisa ser recoberta por tecido gengival".
A presidente da Sobrapi complementa que a resina nestes casos aumenta a recessão gengival porque funciona como um fator retentivo de mais placa bacteriana, já que a sua presença dificulta a correta higienização dos dentes.