SETEMBRO VERDE
Transplantes de córnea: especialista avalia os desafios e avanços em Minas
Há 2 tipos principais de transplante de córnea: penetrante (substituição total) e o lamelares (substitui parte do tecido), com menor risco e rejeição
Carregando...
09/09/2025 12:02
compartilhe
Siga nox
O mês de setembro é marcado pela campanha nacional de conscientização para a doação de órgãos e tecidos. Entre eles, a córnea se destaca como um dos mais demandados no Brasil, devolvendo a visão e transformando a vida de milhares de pessoas e famílias. Em Minas Gerais, embora o Centro Oftalmológico de Minas Gerais seja referência na realização desses procedimentos, o cenário ainda impõe desafios preocupantes.
O impacto de um transplante
De acordo com Bernardo Tom Back, coordenador do Departamento de Córnea do Centro Oftalmológico de Minas Gerais, a transformação proporcionada por um transplante é profunda. “Muitos pacientes chegam à fila com visão extremamente limitada, às vezes abaixo de 10%, o que já é considerado cegueira legal. Embora não seja uma cegueira irreversível, é uma condição que retira praticamente toda a qualidade de vida do paciente. Quando devolvemos a visão — seja de um olho ou dos dois — estamos devolvendo o sentido mais nobre da vida. Acredito que a visão representa 80% da comunicação do ser humano com o mundo. Nada se compara a isso,” explica o médico.
As principais causas
Leia Mais
Como funciona a cirurgia
O transplante depende de um passo inicial essencial: a doação. Black explica que “tudo começa com a captação de uma córnea viável pelos bancos de olhos, organizados pelo governo. O paciente inscrito na fila é chamado de acordo com critérios de tempo de espera e urgência. Hoje, temos dois tipos principais de cirurgia: o transplante penetrante, no qual substituímos toda a espessura da córnea, e os transplantes lamelares, mais modernos, nos quais trocamos apenas a parte doente e preservamos a parte saudável do olho do paciente. Isso traz vantagens como menor risco de rejeição, recuperação mais rápida e melhores resultados visuais”, disse.
Ele reforça, porém, que o sucesso depende da disciplina do paciente. “Independente da técnica, é um transplante de tecido. Isso exige cuidados rigorosos no pós-operatório: uso correto dos colírios, proteção do olho, evitar traumas, respeitar repouso e manter acompanhamento frequente com o oftalmologista. Esses cuidados fazem toda a diferença para preservar o resultado”, alerta.
O cenário em Minas Gerais
Segundo Paulo Lener Filho, coordenador do Núcleo de Tecidos Oculares do MG Transplantes, Minas Gerais enfrenta hoje o maior desafio de sua história. “A lista de espera por um transplante de córnea em Minas Gerais soma atualmente 4.429 pacientes, com tempo médio de espera de três anos e seis meses para procedimentos eletivos. Infelizmente, é a maior fila desde a criação do MG Transplantes, em 1992.”
Ele explica que a pandemia de Covid-19 agravou o problema. “Entre 2019 e 2021, o número de pessoas aguardando por uma córnea quase dobrou, passando de 1.270 para 2.473 pacientes. Isso ocorreu porque, naquele período, houve a interrupção temporária da captação de doadores de coração parado, que representavam cerca de 80% das doações de córneas em Minas. Hoje, a maior parte vem de doadores em morte encefálica, o que reduz o número de tecidos disponíveis e aumenta o tempo de espera”, disse.
O MG Transplantes, em parceria com a Secretaria Estadual de Saúde e a Fhemig, tem trabalhado em várias frentes para reverter esse quadro:
- Retomada das CIHDOTTs (Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos), desarticuladas durante a pandemia.
- Incentivos financeiros para hospitais que atingirem metas de captação.
- Treinamento de equipes externas para captação de tecidos oculares em até seis horas após a parada cardíaca.
- Criação de novos Bancos de Tecidos Oculares em Montes Claros e Itajubá (hoje Minas conta com três, em BH, Juiz de Fora e Uberlândia).
- Campanhas de conscientização com foco no envolvimento da sociedade e dos profissionais de saúde.
“O envolvimento da sociedade é fundamental. Cada pessoa deve conversar com a família e manifestar seu desejo de ser doador. É a família quem dará a palavra final no momento da perda. Apesar da dor, essa decisão pode significar a realização de um desejo de vida do falecido e a oportunidade de devolver a visão a quem espera”, acredita Lener.