DESINFORMAÇÃO

Paracetamol na gravidez causa autismo em crianças? O que a ciência já sabe

Especialistas reforçam: não há evidências científicas que comprovem ligação entre o medicamento e o transtorno do espectro autista (TEA)

Publicidade
Carregando...

O uso de paracetamol durante a gestação voltou ao centro do debate internacional depois que o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sugeriu existir uma relação entre o medicamento e o desenvolvimento do transtorno do espectro autista (TEA).

"Se você estiver grávida, não tome Tylenol e não dê ao bebê depois que ele nascer", disse. "Existem certos grupos de pessoas que não tomam vacinas e não tomam nenhum comprimido e que não têm autismo", acrescentou, sem apresentar provas. "Eles injetam tanta substância nesses lindos bebês que é uma vergonha", continuou o presidente. A declaração provocou repercussão também no Brasil, especialmente entre famílias de pessoas com autismo, e levantou dúvidas sobre a segurança do remédio. 

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) destacou em comunicado que "não há registro de associação entre o uso de paracetamol por gestantes e o diagnóstico de autismo no país". Em nota, a instituição destacou que a liberação de medicamentos no Brasil segue critérios científicos rigorosos para assegurar qualidade, eficácia e segurança. O órgão também lembrou que, mesmo sendo considerado de baixo risco, o fármaco é monitorado constantemente. 


Reações internacionais e nacionais

Após a fala de Trump, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reforçou que não há evidências conclusivas que associem o uso do paracetamol na gestação ao TEA. A Agência Europeia de Medicamentos também afirmou não haver motivos para alterar as recomendações atuais sobre o uso da substância.

Nos Estados Unidos, entretanto, a FDA, agência reguladora equivalente à Anvisa, anunciou que avalia mudanças na bula do medicamento e chegou a emitir um alerta para médicos. 

No Brasil, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, usou as redes sociais para tranquilizar a população e reforçar que não existe comprovação científica da suposta relação.

O que a ciência já investigou?

Estudos observacionais iniciais levantaram a hipótese de que crianças expostas ao medicamento durante a gestação poderiam ter maior risco de desenvolver autismo. No entanto, as pesquisas foram impactadas por fatores de confusão, já que o paracetamol é indicado, por exemplo, para tratar febre e infecções, condições que, por si só, podem influenciar o desenvolvimento neurológico.

Uma análise ampla feita na Suécia, com mais de 2,5 milhões de crianças, não encontrou associação significativa entre o uso de paracetamol na gravidez e o TEA, após ajustes para variáveis ambientais e familiares. Além disso, especialistas alertam para o chamado viés de recordação, quando participantes de estudos podem relatar de forma imprecisa exposições passadas, comprometendo a validade das conclusões.

“É comum surgirem tentativas de simplificar algo tão complexo como o autismo. Atribuir a condição a um único fator ou a um suposto tratamento milagroso desvia o foco do que realmente importa: terapias, inclusão e acolhimento”, explica o neuropediatra Antonio Carlos de Farias, do Hospital Pequeno Príncipe.

Afinal, o que causa o autismo?

De acordo com a OMS, o TEA afeta uma em cada cem crianças no mundo. A condição está associada a uma combinação de fatores genéticos e ambientais, e não a uma causa única. Pesquisas já identificaram centenas de genes relacionados ao transtorno, cuja interação pode aumentar a suscetibilidade em determinados indivíduos.

Entre os fatores ambientais estudados estão a idade avançada dos pais, uso de certos medicamentos durante a gestação — como o ácido valproico, medicamento anticonvulsivante —, prematuridade e estresse gestacional. A poluição do ar também tem sido investigada como possível elemento de risco.

“O aumento dos diagnósticos de TEA não significa, necessariamente, que mais crianças desenvolvem o transtorno. Hoje há maior conscientização, critérios diagnósticos mais amplos e busca precoce por serviços de saúde”, acrescenta o neuropediatra.

Riscos da desinformação

Para a infectologista Luana Araújo, que se pronunciou nas redes sociais, a associação entre paracetamol e autismo é mais um exemplo de negacionismo científico. Ela relembrou o impacto do artigo fraudulento publicado em 1998 pelo médico britânico Andrew Wakefield, que relacionava a vacina triplice viral (sarampo, a caxumba e a rubéola) ao autismo, o estudo foi posteriormente desmentido, pleo próprio autor, e retirado só em 2010, mas que causou queda nas coberturas vacinais em todo o mundo.

“Estamos falando de uma condição secundária à alterações do nosso neurodesenvolvimento, ou seja, lá na gravidez, principalmente, no seu primeiro trimestre, quando essas condições cerebrais são formadas de uma maneira bastante acelerada, nessas pessoas, as conexões resultantes são um pouco diferentes daquelas consideradas típicas. O que significa que, depois do nascimento, em algum momento, essas pessoas podem manifestar sintomas que são classificados dentro do espectro autista e que podem precisar de menor ou maior grau de suporte”, afirmou a infectologista.

O Ministério da Saúde também reforçou que a propagação de informações falsas pode trazer sérias consequências para a saúde pública, como ocorreu na pandemia de COVID-19. Em comunicado, a pasta destacou ainda os esforços para fortalecer a linha de cuidado às pessoas com TEA, com foco no diagnóstico precoce, na inclusão social e no suporte às famílias.

O que gestantes devem saber?

O paracetamol é um dos analgésicos mais usados no Brasil e pode ser adquirido sem receita médica. Ainda assim, especialistas lembram que o uso durante a gestação deve ser sempre orientado por profissionais de saúde. “É fundamental que gestantes nunca utilizem medicamentos sem indicação médica ou farmacêutica. O que temos de mais sólido hoje é que o paracetamol, usado corretamente, é seguro”, reforça o neuropediatra Antonio Carlos.

Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
 

Tópicos relacionados:

autismo gravidez paracetamol saude

Acesse o Clube do Assinante

Clique aqui para finalizar a ativação.

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay