ENVELHECER SAUDÁVEL

"Nós queremos uma valsa": uma ode ao tempo que nos resta

Documentário, sobre a relação de uma neta com os avós, faz um hino poético ao tempo, à memória e ao amor que resiste ao esquecimento

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Quanto tempo nos resta nesta vida? Pergunta impossível de responder. Por isso, a importância de dar valor àquelas pessoas ao redor. Viver com elas histórias, registrar e guardar as lembranças. Pensando assim, um documentário feito por uma mineira registra um lembrete sensível de que, em uma sociedade obcecada pela juventude eterna, negligenciar o envelhecimento é ignorar a essência da vida humana.

No documentário "Nós queremos uma valsa", dirigido por Júlia Miriam Pires Lage, o tempo se revela como um companheiro sutil e inexorável, tecendo uma tapeçaria de momentos efêmeros que se dissolvem lentamente na rotina de um casal de idosos, Míriam e Hernane. 

Moradores de Nova Era, no interior de Minas Gerais, são capturados pela neta Júlia em vídeos e fotografias ao longo de seus últimos cinco anos de vida, um registro delicado que transforma o cotidiano doméstico em uma meditação poética sobre o envelhecimento. 

Aqui, o tempo não é mero relógio; é o fluxo que erode as bordas da memória, mas também o que permite que antigas canções populares brasileiras — valsas rodopiantes, cirandas infantis, lamentos sertanejos — emerjam como portais para o passado, reavivando fragmentos de uma existência compartilhada.

Memórias vivas

É nesse contexto que a relação com a demência ganha contornos tocantes, ainda que o filme a aborde de forma implícita, através do olhar contemplativo sobre a memória frágil de Hernane e Míriam. Imagine Hernane, com sua presença quieta, e Míriam — carinhosamente chamada de Mirinha —, cuja voz trêmula entoa melodias esquecidas, penetrando o silêncio da casa como um bálsamo contra o esquecimento.

A demência, nessa narrativa, não é retratada como uma sentença de isolamento, mas como um desafio que a música transcende, ativando conexões neuronais adormecidas e reconectando o casal a suas origens: as danças de outrora, as aventuras do amor, as saudades do interior. Júlia, com sua câmera familiar, captura esses instantes de ressurgimento, mostrando como o canto não apenas resgata lembranças, mas fortalece os laços afetivos, transformando a vulnerabilidade em uma dança íntima entre o que se perde e o que persiste.

Ao documentar o progresso do tempo — os gestos lentos, as pausas reflexivas, as canções que ecoam como herança cultural —, Júlia não só preserva a ancestralidade de sua família, mas convida-nos a refletir sobre o cuidado com os mais velhos. 

Guardar memórias, seja em vídeos caseiros ou melodias entoadas, é um ato de resistência: eterniza o que o tempo ameaça apagar, honra as trajetórias que nos moldam e nos lembra que, ao cantarmos nossas origens, cantamos a nós mesmos. "Nós Queremos Uma Valsa" é, assim, um convite à empatia, um sussurro que ecoa: enquanto a vida resiste, as lembranças merecem ser dançadas, registradas e acalentadas, para que o passado não se desvaneça no silêncio.

Saudades de outrora

As canções que a avó Mirinha cantarola nos vídeos são paisagens de uma outra camada temporal, narram saudades de uma época que passou e que não volta mais. Contudo, essa época vivida, ao ser cantada é rememorada e cria novos nexos de percepção da passagem do tempo. 

Entre essas lembranças, as danças rodopiantes em passos de valsa; as cirandas das crianças cantando juntas de mãos dadas; canções de vaqueiros e sertanejos que narram a partida do interior em sua jornada rumo à cidade e as aventuras para a conquista do amor. São muitas as histórias convocadas pelo canto de Mirinha. Essas canções esquecidas ela eterniza com a sua voz e o seu jeito de cantar. São memórias manifestadas pela música. 

Pelos vídeos têm-se registros do modo especial como a memória dos idosos Hernane e Miriam é ativada sempre que os cantos ressurgem e penetram o silêncio da casa. É o registro da passagem do tempo para eles que caminhavam para o fim dos seus dias nessa terra. Através do olhar que registra o movimento cotidiano destes senhores na intimidade do lar, revelam-se questões sobre esta etapa da vida que tende a ser negligenciada em uma sociedade que busca incansavelmente a eterna juventude. 

O projeto tem por intuito retratar a poesia que reside enquanto a vida resiste frente a passagem do tempo; despertar novas perguntas e percepções sobre o modo como lidamos com o processo do envelhecimento na atualidade, sobre o cuidado com as nossas memórias e com os nossos mais velhos e também sobre as interações culturais que nos fazem ser quem somos porque assim cantamos, assim comemos, assim rezamos, assim nos relacionamos com o mundo enquanto a vida existir. E quando cantamos as nossas canções, cantamos as nossas origens, cantamos os nossos trajetos pela terra, cantamos as memórias de uma gente enquanto herdeiros comuns de um território.

Serviço:

Museu Municipal de Arte e História - Nova Era

3 e 4/10, às 20h

Teatro Municipal - Santa Luzia

14/10, às 20h 

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