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Dia Mundial dos Cuidados Paliativos: assistência ainda é limitada no Brasil

Cerca de 625 mil pessoas no país necessitam destes cuidados

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O Dia Mundial dos Cuidados Paliativos de 2025, neste sábado (11/10), destaca o tema da Organização Mundial da Saúde (OMS), Alcançar a Promessa: Acesso Universal aos Cuidados Paliativos.
Segundo dados recentes do Ministério da Saúde, cerca de 625 mil brasileiros necessitam desse tipo de assistência, voltada à promoção da qualidade de vida de pessoas com doenças graves e crônicas.

Muitas pessoas ainda acreditam que os cuidados paliativos se destinam apenas aos pacientes em fase terminal de uma doença. No entanto, o doutor em cuidados paliativos do Hospital das Clínicas e membro da Organização Nacional de Acreditação (ONA), Douglas Crispim, explica que o público beneficiado por esse tipo de cuidado é muito mais amplo.

Os cuidados paliativos têm como objetivo oferecer uma abordagem integral ao sofrimento causado por doenças que ameaçam a vida, abrangendo todas as faixas etárias. Para surpresa de muitos, esse cuidado pode começar ainda no período perinatal, quando gestantes carregam fetos com baixa chance de sobrevivência. Estende-se ao acompanhamento neonatal, pediátrico, de adolescentes, adultos, idosos e outros grupos específicos.

“No caso dos adultos, os principais grupos que necessitam de cuidados paliativos são aqueles com doenças cardiovasculares, renais, pulmonares, hepáticas – incluindo a cirrose e condições que exigem transplante – além de pacientes com câncer e doenças neurológicas, como Alzheimer, sequelas de acidente vascular cerebral e Parkinson”, esclarece Douglas, que ainda ressalta que fatores sociais, como a baixa renda e situações de vulnerabilidade, também ampliam a necessidade desse cuidado, pois o sofrimento social se soma ao sofrimento em saúde.

Mais do que tratar sintomas físicos, os cuidados paliativos acompanham o paciente desde antes do diagnóstico, durante o tratamento e até o período de luto da família. “A proposta é mitigar efeitos colaterais, reduzir o sofrimento, apoiar os familiares e oferecer uma rede completa de atenção ao longo de todo o processo. Esse olhar ampliado torna os cuidados paliativos essenciais para garantir dignidade e qualidade de vida, independentemente da fase da doença”.

Cenário no Brasil

O Brasil conta atualmente com 234 serviços de cuidados paliativos em funcionamento, segundo dados da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), divulgados no Atlas dos Cuidados Paliativos do Brasil (2022, publicado em 2024). A maior parte dos atendimentos está concentrada na rede pública: 123 serviços (52,6%) funcionam exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Outros 36 (15,4%) operam de forma mista, atendendo tanto pelo SUS quanto pela rede privada, enquanto 75 (32%) atuam exclusivamente na saúde suplementar.

De acordo com o médico, a ANCP está finalizando um novo levantamento que deve apontar um crescimento expressivo na oferta desses serviços. “A expectativa é que ultrapassemos a marca de 400 serviços no país, o que representa um avanço importante”, afirma.

Apesar do progresso, o acesso ainda é desigual e limitado. Em São Paulo, o Hospital das Clínicas é um exemplo de referência. A unidade conta com uma estrutura robusta, que atende mais de 200 pacientes por mês e oferece formação multiprofissional para médicos, enfermeiros, psicólogos e dentistas. No entanto, iniciativas como essa ainda são exceção no país.

“O Brasil permanece mal posicionado nos rankings internacionais de qualidade da morte, ao lado de países com baixos indicadores socioeconômicos, principalmente na África. Isso revela o contraste entre o potencial econômico brasileiro e a desigualdade na oferta de cuidados paliativos”, alerta Douglas.

A região Sudeste conta com maior número de serviços, sendo responsável por 98 (41,8%). Em seguida, vem a região Nordeste que soma 60 serviços (25,7%). O Sul com 40 (17,1%), Centro-Oeste, com 28 (12%) e o Norte, a única região que não tem serviços em todos seus estados, apresenta 8 (3,4%) serviços, distribuídos em quatro estados (Amapá, Pará, Rondônia e Roraima).

Entre os 234 coordenadores desses serviços, a maioria é formada por médicos (204 profissionais, ou 87,1%). Em seguida vêm os enfermeiros, com 16 profissionais (6,8%). Os demais cargos incluem psicólogos (4), assistentes sociais (3), fisioterapeutas (3), fonoaudiólogo (1), musicoterapeuta (1), médico veterinário (1) e administrador hospitalar (1).

No que diz respeito ao financiamento, a maior parte dos serviços (123, ou 52,6%) está inserida exclusivamente no Sistema Único de Saúde (SUS). Outros 36 (15,4%) atuam de forma mista, atendendo tanto pelo SUS quanto pela saúde suplementar, enquanto 75 (32%) operam exclusivamente no setor privado.

Avanços no SUS

O Brasil deu um passo importante na consolidação dos cuidados paliativos como política pública. Em 2024, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Cuidados Paliativos no Sistema Único de Saúde (SUS), com previsão de criar 1.321 equipes especializadas e investimento anual de R$ 887 milhões.

A meta é que, até 2026, cada macrorregião do país conte com pelo menos uma Equipe Matricial de Cuidados Paliativos (EMCP), que atuará como referência regional por meio da telessaúde. Além disso, serão habilitadas gradualmente as Equipes Assistenciais de Cuidados Paliativos (EACP), diretamente vinculadas a hospitais e serviços de saúde.

No dia 1º de setembro de 2025, a medida começou a sair do papel com a habilitação das 14 primeiras equipes EMCP e EACP em quatro municípios: Pelotas (RS), Curitiba (PR), Araguaína (TO) e Blumenau (SC). A ação foi oficializada pela Portaria GM/MS nº 8.032/2025 e contou com investimento federal de R$ 8 milhões anuais para custeio das equipes.

Segundo Crispim, a efetividade desse cuidado exige uma estrutura robusta. “É necessária uma equipe multiprofissional, completa e especializada, com protocolos, procedimentos e modalidades assistenciais bem definidos, além de acesso amplo à população, tanto na rede pública quanto na privada”, afirma.

A política nacional se apoia em marcos regulatórios importantes, como: a Resolução nº 41, de 31 de outubro de 2018, que estabeleceu diretrizes para a implantação de cuidados paliativos no SUS, e a Resolução nº 1.895, do Conselho Federal de Medicina, em vigor desde 2006, que normatiza a prática médica na área.

Entre os avanços mais recentes estão a criação de residência médica com duração de dois anos, o reconhecimento da especialidade em enfermagem, a obrigatoriedade do ensino de cuidados paliativos nos currículos de medicina e a articulação com conselhos profissionais de outras áreas, como psicologia, fisioterapia e odontologia.

Principais gargalos

Mesmo com a obrigatoriedade prevista em lei, muitos serviços de cuidados paliativos oferecidos no Brasil ainda estão aquém de atender às necessidades de pacientes e familiares. Em vez de promoverem acolhimento, conforto e segurança, como prevê a proposta central desse tipo de assistência, muitas instituições acabam gerando estresse, frustração e até abandono do serviço por parte das famílias.

A falta de preparo das equipes é uma das principais queixas. Grande parte dos profissionais envolvidos nos atendimentos não possui formação específica para atuar com cuidados paliativos, o que compromete diretamente a qualidade da assistência oferecida.

Apesar das dificuldades, o Brasil vem ganhando destaque internacional na área. Em 2022, o país passou a integrar oficialmente a Aliança Mundial de Cuidados Paliativos e Hospice (WHPCA, na sigla em inglês), entidade parceira da OMS. O reconhecimento internacional se fortaleceu em 2024, com a aprovação da Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP), considerada uma das mais ambiciosas do mundo.

A nova política, que conta com financiamento das esferas federal, estadual e municipal, tem potencial para transformar o cenário nacional. No entanto, os desafios de implementação ainda são grandes. Desigualdades regionais, diferenças estruturais nos serviços de saúde e a carência de profissionais qualificados continuam sendo barreiras significativas.

“O protagonismo do Brasil nessa agenda é importante, mas ainda precisamos de uma mobilização real para que os projetos saiam do papel e se consolidem. A Política Nacional de Cuidados Paliativos pode se tornar uma das maiores iniciativas globais nessa área, desde que consiga superar os entraves locais”, afirma o médico.

Importância da acreditação

A má prática em cuidados paliativos gera desperdícios milionários em um sistema de saúde já sobrecarregado. Por isso, garantir qualidade, transparência e confiança para pacientes, famílias e fontes pagadoras são essenciais.

“Nesse cenário, a ONA cumpre o papel estratégico ao difundir as boas práticas e criar pilares sólidos para o cuidado paliativo no Brasil. Não basta contabilizar a quantidade de serviços existentes. É preciso garantir qualidade, de forma que o atendimento seja efetivo e multiprofissional, com integração plena ao sistema de saúde. Hoje é possível encontrar variações muito grandes entre instituições que oferecem cuidados paliativos e o desafio está em equalizar esse padrão”, explica.

Desafio global de saúde pública

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 60 milhões de pessoas necessitam de cuidados paliativos anualmente em todo o mundo. Deste total, 31,1 milhões estão em fase terminal, e aproximadamente 18 milhões morrem sofrendo com dor e sintomas que poderiam ser evitados.

A maior parte desses pacientes, 73%, vive em países de baixa renda, cenário que evidencia a desigualdade no acesso a esse tipo de assistência. A situação é ainda mais grave entre crianças de 0 a 19 anos, já que mais de 97% das que precisam de cuidados paliativos estão em nações de baixa e média renda.

Entre as principais causas que demandam cuidados paliativos pediátricos estão HIV/AIDS e malformações congênitas, responsáveis por 46% dos casos, seguidos por prematuridade extrema e trauma de nascimento (quase 18%) e lesões (16%).

A região da África concentra mais da metade dessa demanda infantil, seguida pelo Sudeste Asiático (20%), Mediterrâneo Oriental (12%) e Pacífico Ocidental (8%). A Europa e as Américas somam apenas 9% da necessidade global de cuidados paliativos infantis.

Em termos per capita, a África lidera a necessidade, seguida pelo Mediterrâneo Oriental. A maior parte da demanda pediátrica está relacionada à doenças progressivas não malignas, exceto na África, onde o HIV é a principal causa. O câncer representa uma parcela menor dessa necessidade entre crianças.

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