Como a ciência usa o veneno de animais para criar remédios
Do controle da hipertensão a tratamentos contra o câncer; conheça as pesquisas que transformam toxinas poderosas em medicamentos inovadores
compartilhe
SIGA
O que para muitos é sinônimo de perigo, para a ciência brasileira é uma fonte de cura e inovação. O veneno de cobras, um complexo coquetel de proteínas e toxinas, se tornou a base para o desenvolvimento de medicamentos essenciais que salvam vidas em todo o mundo. A biodiversidade do Brasil, lar de espécies como a jararaca e a cascavel, posiciona o país na vanguarda dessas pesquisas.
Leia Mais
Um dos exemplos mais conhecidos é o captopril, um dos remédios mais usados para controlar a hipertensão arterial. Seu desenvolvimento, que culminou na década de 1980, foi inspirado em pesquisas brasileiras iniciadas décadas antes com proteínas encontradas no veneno da jararaca (Bothrops jararaca). Cientistas observaram que a toxina causava uma queda brusca de pressão na vítima da picada e decidiram investigar o mecanismo por trás desse efeito.
Esse trabalho se baseou em estudos pioneiros de pesquisadores do Instituto Butantan, como Maurício Rocha e Silva, que descobriu a bradicinina na década de 1940, e Sérgio Henrique Ferreira, que nos anos 1960 isolou o fator de potenciação da bradicinina (BPF). A partir dessas descobertas, foi possível recriar a molécula em laboratório de forma segura, resultando em um fármaco que age de maneira precisa no sistema circulatório. Esse sucesso abriu portas para um novo campo de estudo, transformando toxinas em aliadas da saúde.
Ao redor do mundo
O veneno do lagarto monstro-de-gila, espécie nativa dos Estados Unidos, pode matar uma pessoa em horas. Essa mesma toxina contém um hormônio chamado exendina-4, muito semelhante ao GLP-1, uma substância produzida pelo ser humano a fim de regular os níveis de açúcar no sangue, mas com uma diferença crucial: enquanto a segunda deixa o corpo rapidamente, a primeira permanece por mais tempo.
Esta descoberta levou ao desenvolvimento de remédios para tratar diabetes tipo 2, entre eles o Byetta. Os estudos também lançaram as bases para o desenvolvimento de compostos como a semaglutida o princípio ativo do Ozempic.
Pesquisas em andamento buscam entender as aplicações da toxina produzida pelos caramujos do subgênero Conus asprella, encontrados no mar do Caribe. Os estudos apontam para um analgésico mais potente que a morfina e com menor potencial de dependência.
Como o veneno vira remédio?
O processo de transformar uma substância potencialmente letal em um medicamento é meticuloso. As toxinas dos venenos são projetadas pela natureza para agir de forma rápida e específica em alvos biológicos, como o sistema nervoso ou a coagulação do sangue. Essa precisão é exatamente o que os cientistas procuram ao desenvolver novos fármacos.
O trabalho em laboratório consiste em isolar as moléculas mais promissoras do veneno. Em seguida, os pesquisadores analisam sua estrutura e testam sua ação em células e tecidos. O objetivo final é criar uma versão sintética da molécula, sem os componentes tóxicos, que mantenha apenas o efeito terapêutico desejado.
Pesquisas em andamento
Lideradas por instituições como o Instituto Butantan e diversas universidades, linhas de pesquisa no Brasil e no mundo continuam a explorar o potencial farmacêutico dos venenos de serpentes. As aplicações vão muito além do controle da pressão e miram doenças complexas, como a dor crônica.
-
Jararaca: além de ser a origem do Captopril, seu veneno continua sendo estudado para o desenvolvimento de novos agentes anticoagulantes, que podem prevenir a formação de trombos e coágulos.
-
Cascavel: possui componentes com ação analgésica, antitumoral e anti-inflamatória. Pesquisas lideradas pelo Butantan avaliam o uso de uma de suas toxinas como uma alternativa potente e com menos efeitos colaterais para o tratamento de doenças inflamatórias e câncer.
-
Coral-verdadeira: seu veneno neurotóxico, que age diretamente no sistema nervoso, inspira a busca por novos anestésicos e medicamentos para tratar doenças neurológicas em pesquisas na Austrália e no Texas (EUA).
Vale ressaltar que muitas dessas pesquisas ainda estão em fase pré-clínica ou experimental. O caminho até que uma nova molécula se transforme em um medicamento aprovado para uso humano é longo e pode levar mais de uma década.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
Uma ferramenta de IA foi usada para auxiliar na produção desta reportagem, sob supervisão editorial humana.