Rota dos Pescados: onde os sabores das águas do Velho Chico encontram o mar
Roteiro é uma oportunidade de conhecer insumos que só o Nordeste brasileiro tem, partindo da Mata Atlântica até chegar na Caatinga
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Siga noTrês cidades, quatro chefs e um mundo de sabores entre o mar e o Velho Chico. A Rota dos Pescados Alagoanos nasceu da amizade entre os chefs Antônio Mendes, Roger Lima, Jonatas Moreira e Rafael Benamor, para exaltar o que sai da costa e também da maior joia do estado: o Rio São Francisco. Cioba, sirigado e tucunaré são alguns dos peixes servidos ao longo do caminho. Além de toda a sorte de carnes e vegetais que compõem a mesa do agreste brasileiro.
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Canela de bode, terrine de rabada, mil folhas de macaxeira, azeite de cacto e cacto fermentado. Parece o menu da série “Guerreiros do Sol“, do GloboPlay, mas é parte da incursão gastronômica que começa em São Miguel dos Milagres, passa pela capital Maceió e termina com muito Happy End no sertão alagoano, mais precisamente em Piranhas, na beira do Velho Chico, onde Lampião e seu bando tiveram os corpos expostos após o massacre na Grota de Angicos (SE).
“Essa história começou há seis meses, a gente se conhece das cozinhas e também da pescaria. Todos somos cozinheiros e pescadores. Daí, percebemos que era preciso um produto em torno da rota de pescados alagoanos para movimentar a cena gastronômica e tornar nosso trabalho mais conhecido dentro e fora daqui”, diz Antônio Mendes, o idealizador da rota, que vem agregando outros chefs do Brasil com a curadoria da jornalista Sylvia Braconnot.
Peixe camorim, gel de umbu-cajá, pão de macaxeira, linguiça de peixe, manteiga de cacto, mascarpone de cabra, tartar de carne de sol e mel de abelha da Caatinga. A Rota dos Pescados é uma oportunidade de conhecer insumos que só o Nordeste brasileiro tem, partindo da Mata Atlântica até chegar na Caatinga. A bordo com um time de chefs munidos do que de melhor essa terra dá: produtos frescos e muita, mas muita sabedoria.
Roger Lima, do Tahafa (Milagres), é o autor de pratos que promovem uma volta ao mundo. É dele o azeite de cacto servido com coalhada de cabra e aratu (caranguejo) em conserva. E também o sushi de atum de Alagoas com manteiga de katsuobushi. No jantar em que recebeu o chef baiano Kaywa Hilton, os dois prepararam tempurá de agulhinha com molho romesco de castanha de caju, alho negro, aioli de missô e pó de shissô. Quanto de sabor, cores e texturas provocados a quatro mãos.
Kaywa é o mais novo chef sensação da culinária baiana, um talento que salta os olhos de um Brasil não conformado com sabores básicos. Irreverente, impaciente, intolerante ao mau humor, ele toca o Bóia em Salvador e o Maré na vizinha Praia do Forte.
Jonatas Moreira, do Akuaba (Maceió), surpreende pelo crudo de peixe de beurre Blanc de sururu, gastric de caju com dedo de moça, vinagre de caju e beiju e a lagosta alagoana em béarnaise asiática, pupunha confit, sagu de tapioca e saladinha de capuchinha. Ao passo que o convidado Gustavo Rinkevich, de origem argentina - mas radicado em Búzios - dá um show na paleta de cordeiro em demi glacê com alcaçuz. Derretendo na colher, no ponto certo.
Rafael Benamor, o jovem craque alagoano (apenas 32 anos) por trás do Mahr (que não tem um ano de vida), também em Maceió, prepara tudo na parrilla, sobretudo os peixes que pega da costa, sem molho nem disfarces: “o peixe como ele é”. A maior parte dos ingredientes vêm do mar. O cenário ideal para a atual chef revelação do Rio de Janeiro (eleita pelo jornal O Globo) atuar: Monique Gabiatti (Polvo, Marisqueria e Belisco), a dona do tempurá de mexilhão, shari de tikotê (leite de coco), shissô e milho kimchi e da tostada de polvo com hummus de feijão manteiga, salsa pico de galo, guanciale e chill oil. “Me senti em casa”, diz Monique, que nasceu em Aracaju (SE) e morou em Maceió por sete anos.
De volta ao Rafa, espere dele peixes como sirigado (da família da garoupa) e pratos como ravióli aberto com patê de ovas de tainha e camarões na brasa. Um carinho em seu salão é o projeto arquitetônico pensado no mar, de Cláudia Maia Nobre, mãe do sócio Renato Paes, autora da cerâmica linda da casa.
Cozinha autoral
E por fim, Antônio Mendes, idealizador da rota, o ”líder do bando”, transformador de realidades pela boa comida que fez em seu restaurante Nalva Cozinha Autoral (nome em homenagem à avó), em Piranhas. Um point culinário às beiras do Velho Chico. Bambá e piaucutia são alguns dos peixes do Rio São Francisco que ele manda para a mesa. O Cari (ou cascudo) é outro peixe local, mas que serve de base para a charcutaria de rio que António faz. Num jantar especial, ele recebeu o chef baiano Fabrício Lemos e a confeiteira Lisiane Arouca (ambos do Origem, Salvador), autores do peixe marinado com aji de coco, crispy de arroz e milho assado (ele) e queijadinha com brigadeiro de goiabada (ela).
Só uma dica antes de iniciar a Rota: um pulo no restaurante No Quintal, Milagres, que oferece comida orgânica, vegetais da horta e pratos como baião de dois de peixe (R$ 98) ao sabor de Cajueira (R$ 38): cachaça alagoana, caju, limão, xarope de aroeira e pimenta rosa. Pertence ao casal Renata Amorim e o chef Lucas Nogueira, de São Paulo, há 15 anos mitigando vontades e desejos com a cujo salão - sugere o nome - fica no quintal (50 lugares).
O que uma comida pode fazer por uma região?
A 30 minutos de carro de Maceió, na Vila Palateia, um povoado em Barra de São Miguel guarda uma preciosidade alagoana: um punhado de associações de ostras de mangue, que recebe turistas para visitação e degustação. Uma delas é a Associação Paraíso das Ostras (R$ 70, o programa).
Desde 2002, Valdemar da Conceição colhe ostras na Lagoa do Roteiro (ambiente mais seguro para elas) e as vende nas praias por R$ 50 a duzia. São 38 famílias envolvidas na atividade na Palateia, famosa ainda pelo maçuni (parece sururu, só que não dá na lama, mas na areia). O sururu, inclusive, é um patrimônio cultural do estado de Alagoas, além do própolis vermelho, petenteadl ali este ano.
Outro programa na Palateia é o Vivência, iniciando no restaurante Ostra do Paraíso, com caldinho maçuni da anfitriã Dona Lourdes.
De resto, as boas histórias, companhias, a emoção diante de tantos comes & bebes, além do sabor único e especial que só Alagoas tem para dar. Partiu Rota?
A conexão de Piranhas com Lampião e Maria Bonita
Rendedê e Boa Noite são estilos que as rendeiras de Alagoas ostentam com os dedos afiados. O fervo desta arte é Piranhas, uma das cidades mais lindas pelo conjuntos de casas coloridas e estilo neocolonial, além do mais importante: é uma das bases para acessar o Rio São Francisco, que tem água verde como o mar de Angra. Dali, da imensidão do Velho Chico, partem barcos para dois destinos imperdíveis entre Alagoas e Sergipe: Entremontes e Ilha do Ferro, ambos a 20 minutos ou cerca disso de Piranhas.
O itinerário faz lembrar o quanto a história de Piranhas é intimamente ligada a de Lampião e Maria Bonita. Tornou-se um marco na história do cangaço devido ao seu papel na captura e morte do casal. A cidade é a porta de entrada para a Rota do Cangaço, tendo sido fundamental na elaboração da emboscada que resultou na morte dos dois , em 28 de julho de 1938, na Grota de Angicos, no Sergipe.
Em meio a este cenário deslumbrante, entre um “causo” e outro, – que são tantos – uma voz atordoa a mente deste jornalista que vos escreve: “o que é esse Rio para o Brasil e o mundo? O Velho Chico, como me disse uma amiga, é gente, tem artigo definido. Nao tem Douro, Senna ou Tâmisa que baste. O todo poderoso, dotado de pura lindeza, igual uma reza.
Serviço
Receptivo e vivências no Velho Chico (incluindo transporte, acomodação e gastronomia) com Jessica Vieira e Maria Moreira, de Além dos Cânions - (82) 98135-1099.
*O jornalista viajou a convite da Secretaria de Estado do Turismo e da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH - Alagoas).