
Minha m�e sempre foi cozinheira de m�o cheia, heran�a materna. E foi assim que, sem nunca ter uma aula de culin�ria, n�s, as mulheres da fam�lia, cozinhamos – umas muito bem, outras mais ou menos. Tenho verdadeiro horror de mulher que tem o maior orgulho de dizer que n�o sabe nem fritar um ovo – conhe�o uma desse tipo, mas acredito que, no fundo, ela quer mesmo � se valorizar. Houve um tempo, quando meu marido era vivo, que minha casa era um clube dominical, onde todos os amigos que apareciam enfrentavam a boa mesa. Algumas vezes na d�vida, porque n�o conheciam a comida que eu tinha feito.
Como gostava de comer nos melhores restaurantes da Europa, quando viajava, procurava sempre provar o que conhecia de ler ou ouvir falar, e sempre que podia trazia a receita do chef, que n�o me envergonhava de pedir, na maior cara de pau. A maioria dava com o maior prazer quando tinha tempo dispon�vel, alguns poucos se negavam.
De qualquer forma, outro dia encontrei guardada em um arm�rio de livros minha cole��o incont�vel de alguns dos card�pios de restaurantes famosos, com chefs caros e badalados. Em alguns, a marca��o da refei��o devia ser providenciada daqui, antes da viagem.
Gostava sempre de cozinhar pratos diferentes, sem aquela de fil� com mais isso ou mais aquilo, at� porque n�o gosto muito de carne de boi. Dentro dessa minha curiosidade, quebrei a cara na primeira vez em que fui a um restaurante recomendad�ssimo, em Paris. Pedi um steak ao poivre, o ma�tre perguntou como gostava da carne, pedi bem passada e recebi aquela maravilha de carne quase crua, tradi��o do prato. Parti o fil�, pedi para passar mais, provinciana brasileira, � claro. Fui atendida com a maior m� vontade, mas gostei do tempero da carne. Algumas vezes me arrisco a preparar um, � moda brasileira: bem passado.
As minhas domingueiras eram variadas: eu ia � antiga rodovi�ria, que ficava nos fundos do pr�dio da r�dio Inconfid�ncia, para comprar mariscos frescos. Se n�o me engano, o �nico lugar onde eram vendidos era no Supermercado Camponesa, que depois foi parar na Savassi, antes de se transformar no Cinema Path�. Com eles, preparava um belo arroz de marisco, comida corriqueira em Portugal. Alguns convidados torciam o nariz, at� enfrentar o sabor e depois pediam mais.
Alguns domingos eram mais mineiros; no inverno, ca�a bem uma vaca-atolada, que de vaca n�o tinha nada, era s� carne de porco – e todos gostavam.
Um amigo churrasqueiro se incumbia de assar carnes variadas para um almo�o bem informal, ou ent�o um peixe enorme que vinha do Amazonas, com privil�gio �nico: deixava seu aroma ocupar a casa inteira. No andar superior, era dif�cil ficar livre do cheiro. Mas o peixe ia embora, s� deixavam as espinhas, porque como era assado com pele e tudo, poucas espinhas podiam ser retiradas quando se abria o bichinho ao meio para temperar.
Num daqueles domingos, encomendei praticamente todo o almo�o em uma banca do Mercado Central, craque para fazer comida �rabe. Por acaso, um dos comensais era o ent�o governador H�lio Garcia, que gostava da especialidade, que raramente encontrava por onde andava. Gostou tanto que queria encomendar os pratos para comer no Mangabeiras.
Teve uma �poca em que me tornei doceira, fazia bolos de casamento para as minhas sobrinhas. A fa�anha “vazou” e, num momento de pura d�vida, minha amiga Nenem Gutierrez me encomendou o bolo de casamento de sua filha Cristiana. � claro que deve ter sofrido esperando a chegada do bolo. Encomendou uma linda toalha redonda com a barra toda plissada, feita por Lygia Mattos. E o bolo foi levado de minha casa por uma kombi. Gra�as a Deus, foi um sucesso s� – Lygia me telefonou logo em seguida, elogiando a obra e contando que tinham chorado quando bolo chegou. No fundo, acreditei que o motivo do choro era mesmo o al�vio.
Estou lembrando tudo isso porque esta semana, por acaso, vi na Le Figaro Magazine a receita de pir� de batata do superchef Joel Robuchon. Ele pedia, ao dar a receita, para ningu�m inventar moda, colocar pimenta-do-reino, noz-moscada ou outra coisa qualquer. Sua receita levava 1kg de batatas pequenas, cozidas com a casca, que deviam ser muito bem lavadas antes para tirar qualquer defensivo agr�cola. Uma vez cozidas, as batatas eram descascadas e a �gua – ele ensinava tamb�m – devia ser guardada para lavar o ch�o da cozinha. Depois de descascadas, as batatas eram passadas no passador e levadas novamente ao fogo, para retirar qualquer excesso de �gua que tivessem conservado. Para terminar, um pouco de leite e muita manteiga de boa qualidade. Tudo misturado com p�o duro, para n�o estragar a aera��o da mistura.
Pronto. Algu�m � servido?