
– Oiii....
Caramba! O primo Seabra! Caramba! Gente do meu time, mas costumava levar uns cinco minutos lustrando uma frase s� pra contar que o gato estava no beiral do telhado. Prossegui.
– Fala, primo.
– Opa, beleza? Tava aqui lembrando uma coisa. Sabe aquela vez quando fomos �quela cidade...
Eu come�ando a me desesperar, conferindo o peso do l�pulo, ele falando naquele compasso que faz ansiosos se matarem, a panela fervendo, meus neur�nios j� em curto-circuito.
– �, prim�o, te retorno daqui a uns dois minutinhos. Segura a�. Vou s� colocar o l�... putaquipariuuuu!!!!
– Ploft! Num piscar de olhos, o telefone, preso entre o ombro esquerdo e a orelha, se desgarrou. Foram cent�simos de segundo que pareciam, em c�mera lenta, condena��o ao fogo eterno. Um rodopio, meus dedos batendo � borda, tr�s giros em velocidade. E a morte discada num mergulho sob mais de 90 graus ardentes. J� era.
Pausei. Respirei fundo... E admito que virei a jarra num solu�o t�o amargo quanto o l�pulo. Chorei mesmo. Numa incerteza absurda sobre que cerveja sobreviveria �quilo. E, ao mesmo tempo, no arrependimento de ter, como tanta gente pelo mundo, transformado o celular numa segunda pele, um bicho de estima��o, meia morada. Acabei por resgat�-lo mais tarde. Mudo. Morto. Disforme. E sem ouvir a hist�ria completa do primo Seabra...
O bom da festa � que, fim do m�s, t�nhamos uma Bohemian Pilsen maneir�ssima. Saborosa. Equilibrada. Um tes�o. E c� estou, quieto, pensando na vida, da janela de casa mirando a serra, e toca o celular. Origem desconhecida.
– Oiii...
– Ei, � o Bento?
– Ele.
– Bento, aqui � a L�gia. A gente n�o se conhece, mas tou bebendo da sua cerveja e t� rolando uma coisa muito maluca...
Putz!! Ser� que deu merda? Contamina��o? Off-flavour dos inferno? O cora��o disparou, a boca secou, e o c�u dava sinais de desabar sobre minha cabe�a. Entre sol�cito e amedrontado, fui adiante. E como, diabos, descobriu o n�mero do meu telefone?
– Mas, me conta, o que h� com a cerveja?
– Ah, t� maravilhosa! � que...
– Ufa, que not�cia boa...
– ... � que, no segundo copo, do nada comecei a ver imagens rodando no ar. E aquilo girava, girava, e l� no centro piscava um n�mero repetidamente. N�o sabia mais o que fazer. Da�, liguei...
– L�gia, juro que n�o sei como explicar.
Assumi o lado psic�logo.
– Mas as imagens te causaram algum inc�modo?
– N�o, n�o, n�o. Ao contr�rio. Era muita confraterniza��o, encontro com amigos, um pouco de balada. Mas fiquei intrigada.
Da�, fui me socorrer na filosofia. Barata, reconhe�o.
– � normal. O que n�o conseguimos compreender �s vezes nos inspira.
– E o seu n�mero, que pintou aleat�rio no meio das imagens?
– V� saber, de repente, � s� o destino dando um al�...
A conversa migrou dali pra amenidades. Cachorro, m�sica. Falamos de vinho, vida digital. Nos despedimos. Sem paquera, juro.
Eu absurdado, me recompondo daquele epis�dio que beirava as obras de realismo m�gico e, na soneca de sabad�o no fim de tarde, soa o celular outra vez.
– Oiii...
– Desculpa a�. Tou bebendo aqui uma Bohemian Pilsen e, p�-pum, a tela do meu celular pisca sem parar com o seu n�mero. J� vi v�deos de produ��o cervejeira, fotos de formatura, casamento, Natal, futebol, praia. Tudo saltando meio desembestado. Enlouqueci? � uma esp�cie de efeito especial?
Fui toureando, tateando. Terminamos falando de economia. E eu afirmando a ele que aquilo deveria ser s� extrema coincid�ncia, dessas que nem mesmo tecnologia de �ltima gera��o ou deuses seriam capazes de decifrar.
Me despedi e resolvi adotar uma medida dr�stica. Fui ao bot�o terminal e desliguei o celular. Por seguran�a, tirei a bateria. Quem me dera pudesse ligar a Garc�a M�rquez, Murilo Rubi�o, Cort�zar ou Borges, a que interpretassem aqueles sinais. Na manh� seguinte, segunda-feira, fui � jugular. �s 8h59, era eu � porta do lugar. Atmosfera de separa��o do�da.
– Em que posso ajud�-lo, senhor?
– Quero me divorciar.
A atendente da operadora de telefonia me mirando, boquiaberta.
– Brincadeirinha... Quero s� trocar o n�mero do meu celular antes que algu�m tome a primeira dose.